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     Depois do meu primeiro mês na prisão subterrânea, fui ganhando mais liberdade com Vladimir. Ele ainda me provocava sempre que podia e eu ainda odiava ele e aquele lugar. Entretanto, depois de uns dias, ele passou a não me vigiar tanto. Eu também não lhe dei motivos para ser castigada então eu meio que fui deixada em paz. A gosma fria foi tirada do meu cardápio e eu pude voltar para as múltiplas escolhas da máquina de comida. E nossa, como eu senti falta daquilo. Nunca imaginei que castigar as pessoas com comida ruim fosse tão traumatizante.

     As minhas aulas continuaram quase todos os dias. Íamos para a Sala de Dados e recebíamos instruções de Roberto sobre mórficos e alteração genética. Ele tinha um vasto conhecimento biológico e era fascinado por como o vírus M agia. Chegou a dizer certa vez que o M fora mandado para a Terra para ajudar a humanidade e não exterminá-la. Algo parecido com o que o Diretor dissera no meu primeiro dia. Roberto usara mesmo essa palavra: mandado. Era uma das teorias malucas que tentavam explicar o surgimento daquela coisa, que ela tinha sido envido para nós por outra civilização mais avançada. Bom, na minha opinião aquilo era só uma maneira de tirarmos a culpa dos ombros da humanidade.

     Em certos dias nós éramos separadas para ter aulas específicas de nossas respectivas áreas. Suna tinha como professora uma virologista que transmitia suas aulas diretamente da Cúpula da Índia. Lily passava seu tempo desenhando durante as aulas de  biologia mórfica e Deise acompanhava um Botânico especialista nas novas espécies mórficas (e com especialista quero dizer que ele entendia de um monte de plantas venosas do lado de fora da Cúpula).

     Íamos todas para salas diferentes durante as aulas especiais. O meu professor de nano-robótica era um tipo excêntrico. Dr. Andrés Gomes, alto de barba escura e olhar penetrante. Na nossa primeira aula, em um avançadíssimo laboratório, ele simplesmente debateu comigo meu artigo sobre nano-células da universidade. Me encheu de elogios e disse que minha vaga precoce na faculdade fora bem merecida e não apenas por causa do meu sobrenome, entretanto, deixou claro que eu superestimava as nano-células.

     — Nanotecnologia não é a resposta para tudo — dissera ele.

     De certo modo eu gostava do tempo que passava nas aulas. Quase me fazia esquecer que estava presa. Mas o resto dia, quando não estávamos sendo examinadas ou testadas, eu passava basicamente andando pelos corredores e espiando as salas menos protegidas. Suna me acompanhou em um tour pelos andares a que tínhamos acesso e tentou me explicar o que cada um deles guardava. O andar 1 era também conhecido como ACE, Área de Contato Externo. Era nele que ficava a única entrada e saída do prédio subterrâneo: uma plataforma circular selada (pelo menos que sabíamos). Ninguém do lado de fora tinha acesso aos andares inferiores, exceto por salas isoladas como a que os líderes da Cúpula usaram quando assistiram a minha exibição. 

     O andar 2 era apenas para pesquisas básicas e enfermaria. No 3 ficavam o refeitório, a área de recreação e nossos dormitórios e a Sala de Dados. Era o lugar em que mais tínhamos liberdade para andar sem muita vigilância. Do 8 para baixo nenhuma de nós tinha permissão para visitar sozinha. Suna me avisara para nem chegar perto de elevadores especiais que iam direto para lá.

     O sétimo andar era a Área de Treinamento e Testes práticos (ATTP). Ali ficavam as salas de paredes escuras onde Suna tinha levado o tiro quando cheguei. Eu ainda tinha pesadelos com isso, mas precisava voltar lá a cada duas semanas para treinar minha habilidade. Essa era outra aula especial. Bem, quanto ao andar 10 Suna só tinha me dito que não era um lugar legal e eu preferi acreditar nela.

     O nosso tempo relaxando era obrigatório. Não me deixavam ficar no quarto durante as duas horas de tempo livre. A Sala de recreação era um pequeno mundo paralelo ali dentro com piscinas quentes, academia, jogos para treinar a mente e outros mimos que nos ofereciam apenas se não tivéssemos feito nada de errado (como esmagar drones). 

Os Dons do MOnde histórias criam vida. Descubra agora