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Vladimir me levou para uma sala restrita no andar #1. Era em um dos muitos corredores onde os internos não tinham acesso livre. O lugar era como um vestiário só que muito maior. Dezenas de cubículos se enfileiravam como pequenas caixas de vidro fosco. Ele me entregou uma espécie de roupa de neoprene bem escuro e encostou-se em um dos cubículos.

— Vista-se — pediu. — É bem fácil, o tecido estica.

Entrei no cubo e Vladimir tratou de fechar a porta. O lugar era claustrofóbico e o ar ali dentro tinha cheiro de álcool. Reparei na parede pequenas aberturas gradeadas, buraquinhos que imitavam alto-falantes antigos. Tentei não me preocupar com aquilo e tirei a roupa cinza para enfiar as pernas no traje que realmente esticava. Quando terminei, qualquer um podia jurar que eu ia surfar ou dar um mergulho em águas tropicais. Me preparei para sair, mas antes fui atingida por jatos de vapor disparados das aberturas gradeadas. Dei um pulo de susto e me encolhi no canto como um gatinho aterrorizado. Durou alguns segundos apenas e então Vladimir abriu a porta, rindo.

— Ah, acho que esqueci de avisar dos jatos de anti-M. Você fechou os olhos, não é? Isso arde pra cacete.

— Puxa, que engraçado. Estou morrendo de rir —  ironizei. Felizmente eu tinha fechado os olhos com o susto, mas minha garganta ardia. — Pra que me cobrir de anti-M se vou lá pra fora?

— Para facilitar a descontaminação quando você voltar. Saídas como essa são levadas bem a sério.

— Não por você, pelo visto. Idiota.

Depois do vestiário, fui levada para outra sala. Uma sala de espera, é o melhor modo de chamá-la. Lá encontrei uma equipe médica com o trajes azuis bem mais pesados e equipados, se eu parecia ir mergulhar, eles pareciam prestes a ir para o espaço. Dra. Arlene estava entre eles, engajada em uma conversa com outro colega. Quando me viu, levantou-se e veio me cumprimentar com seu sorriso acalentador.

— Bom dia, Anabel. Como está?

— Um pouco nervosa.

— Não fique, só vamos respirar um pouco de ar puro.

Ergui uma sobrancelha, como quem diz “é sério?”

— Desculpa, isso é só uma piada que temos aqui — ela tentou se redimir. Aquela piada só tinha graça para os médicos mesmo.

— Vai ser muito ruim? — perguntei. — Vou querer morrer lá em cima?

— Vai ser desconfortável no começo. Mas depois melhora.

Esse é o tipo de coisa inútil que os médicos falam para não dizer que vai ser horrível. Eu aprendi a captar o tom de voz de Arlene quando ela está tentando me acalmar. Dá para entender se levarmos em consideração o que aconteceu na última vez que fiquei em pânico.

— A atmosfera externa tem uma concentração maior de oxigênio — Arlene explicou. — Então, você vai se sentir um pouco tonta. Respire devagar lá em cima, certo?

— Certo. E quanto ao vírus que vai entrar em meus pulmões?

Suna já tinha me dito que o vírus era inofensivo para nós, mas era sempre mais tranquilizador ouvir isso de uma médica. E eu confiava mesmo em Arlene.

— Seu sistema imunológico já conhece o vírus muito bem. E o vírus também já conhece seu organismo. Não se preocupe, os dois não vão se estranhar.

Aquilo, sim me deixou mais aliviada, só não diminuía a minha ansiedade quando eu lembrava que falaria com meu pai muito em breve. Me sentei em uma das poltronas encostadas na parede e esperei Vladimir voltar. A doutora tentou puxar conversa, mas eu evitei falar muito, tive medo de acabar deixando escapar algo. Eu confiava em Arlene, mas não sabia até onde ela era fiel à causa do Diretor.

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