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O dia da exibição de Daniele começou diferente. O horário de restrição se estenderia até que tudo tenha acabado. Eu não me surpreendi, Suna me avisara que tinha sido assim na minha vez, quando destruí aqueles drones. Só esperava que Daniele não tentasse fazer algo parecido.



Apesar de já ter passado por isso e saber como funcionava, eu não conseguia ficar calma. Tinha um pressentimento péssimo. Eu nunca fui de ter esse tipo de sexto sentido, mas acho que estava começando a afiar meus instintos. Isso me fez ficar dando voltas pelo quarto, enquanto esperava o projetor mostrar a sala de testes.



- Está tentando cavar um buraco com seus passos? - ironizou Suna da sua mesa de estudos. Ela tinha feito um coque desleixado usando uma caneta gráfica para prender o cabelo, parecia relaxada como em um dia qualquer. Ela já tinha visto tantas daquelas exibições que era realmente comum para ela.



Fiz um esforço para me aquietar na cadeira em sua frente, mas minha perna continuou balançando.



- Estou nervosa por Daniele - confessei. - Ela não é muito jovem pra isso? Tipo, não deveriam estar pedindo para ela usar suas habilidades.



Sunahara tirou os olhos das páginas para me fitar.



- Não sei se faz diferença para o Diretor. Ele mandou me cortar para ver como eu me remontava. Acha que aquele monstro vai se preocupar com o que acontece com Daniele? Mas fica tranquila, vai dar tudo certo.



- Não consigo ficar tranquila como você.



Ela voltou a baixar a vista para o livro e suspirou.



- Não estou tranquila, só aprendi a lidar com situações assim. Você vai aprender também.



Eu aprenderia, sim. Só que não seria nesse dia. Nesse dia eu aprenderia uma lição ainda mais importante. Não gosto de admitir, mas essa lição me deu o que eu ainda não tinha para ser capaz de escapar dali: fúria.



- Ela está doente - revelei com a mão na testa.



- Quem te disse isso? - Suna finalmente fechou o livro. - Como assim doente?



- A Dra. Arlene me disse que Daniele tem câncer. Eles a pegaram em um hospital, enquanto se tratava.



- Mas por que não a curam? Aquelas máquinas...



- Aquelas máquinas não funcionam nela - interrompi. - A habilidade de Daniele interfere em campos magnéticos muito fortes.



Suna recostou-se na cadeira e puxou a caneta do coque, deixando o cabelo escuro escorrer pelos ombros. Naquele momento ela me pareceu mais adulta, e ela era mesmo, só não deixava os outros perceberem.



- Nossa, agora o diretor deve ter alcançado um novo patamar de crueldade - ela disse, finalmente.



- Ela agora depende do tratamento que vão dar aqui.



- Sinto muito por ela, ninguém deveria depender de um lugar como esse.



Eu também sentia, por ela, por mim, por Suna, Deise e Lilyan. Todas nós mergulhadas naquele mundo subterrâneo capaz de nos fazer esquecer o que era viver lá fora. Eu já estava esquecendo e por mais que tentasse me manter otimista, era cada vez mais difícil manter a esperança viva.



Toquei meu bloqueador de leve com as pontas dos dedos. Estava começando a fazer daquele gesto um ritual, isso me lembrava do porquê estávamos ali. Somos diferentes, dizia para mim mesma. Eles temem isso.

Os Dons do MOnde histórias criam vida. Descubra agora