Capítulo 29 | PARTE 2

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Desliguei a água, encostando a cabeça no azulejo do chuveiro, respirando o vapor por um momento enquanto observava gotas de água que caíam do meu corpo, pingando no chão onde se misturavam com a água que estava indo lentamente pelo ralo. Por um momento, desejei poder lavar tudo tão facilmente quanto a sujeira do meu corpo. Mas não era tão fácil. Nunca era.

Enquanto me estabilizava, abri a cortina para encontrar algumas roupas empilhadas na pia, foi Negan quem as colocou lá. Chegamos a Alexandria há pouco tempo e, depois de correr diretamente para a casa de Rick onde Thomas estava dormindo, Negan me persuadiu a vir para casa tomar um banho.

Eu não queria deixar Thomas, e meu peito apertou quando Negan disse que foi ele, juntamente com Eugene quem fez os explosivos. Meu menininho estava crescendo e vendo como era esse mundo. Mesmo agora, com dez anos e uma mentalidade adulta por ver e lidar com desafios todos os dias, meu instinto de mãe era querer protegê-lo de tudo. Eu o deixei dormir em paz em vez de acordá-lo, e viemos para casa.

Eu vesti a roupa e sequei o cabelo o melhor que pude, meu couro cabeludo dolorido. Quando abri a porta, ouvi o barulho de pratos na cozinha e desci lentamente para investigar. O rangido dos degraus deve ter alertado Negan para a minha presença, porque sua cabeça apareceu na esquina, avaliando minha aparência quando eu bati no degrau de baixo.

— Venha comer — ele disse suavemente, pensando que eu estava prestes a surtar, e assenti enquanto seguia atrás dele. Eu não tinha comido desde o jantar na noite anterior, e estava estranhamente faminta, mesmo depois do que tinha passado.

Ele aqueceu um pouco da sopa e um pedaço de pão quente estava sobre a mesa. Havia também um punhado de suprimentos médicos; pomada antibiótica, ataduras e alguns analgésicos. Negan segurou a cadeira para mim, um gesto doce, e eu me sentei, deixando-o me empurrar em direção à mesa. Seus lábios roçaram o topo da minha cabeça antes que ele se sentasse ao meu lado, e senti o calor de seu olhar enquanto pegava minha colher, girando-a em volta da tigela.

Quando estávamos devidamente saciados, ele estendeu a mão para mim, me colocando em uma posição de pé e me levando para a sala com os suprimentos médicos. A energia anterior que eu estava segurando estava começando a se dissipar, e eu o observei com os olhos semicerrados enquanto ele limpava e envolvia meus pulsos, seus lábios se apertando de vez em quando. Ele ainda não tinha falado, e eu estava começando a me preocupar um pouco.

— Diga alguma coisa — eu finalmente murmurei, mas ele não olhou para cima, envolvendo meu pulso esquerdo.

— Dizer o quê?

— Apenas me pergunte o que você quer me perguntar — recuei meu braço, colocando minhas pernas no colo dele quando ele começou nos meus tornozelos, passando o dedo pelas marcas que não eram tão ruins quanto as dos meus pulsos. Eu sabia o que ele estava esperando, e ele também.

Sua mandíbula estava firme quando ele esfregou a pomada no meu tornozelo esquerdo.

— Eles... algum deles... — ele parou, enrolando os dedos em volta da minha pele, recusando-se a encontrar meus olhos.

— Um deles... um deles tentou, mas não conseguiu — gaguejei e meu coração começou a acelerar. Negan colocou minhas pernas para fora de seu colo, ficando de pé, e ele saiu da sala.

Ouvi um estrondo alto e me arrastei, correndo para a cozinha para ver que ele havia perfurado a parede, e agora ele estava descansando a testa contra ela, apertando a mão dele.

— Não — implorei fracamente, deixando minhas mãos vibrarem no ar — Aquele cara, Rocky, ele matou aquele cara...

— O quê, eu deveria me sentir grato ao filho da puta que levou você? — ele perguntou, sua cabeça não deixando o gesso. Ele estava com raiva. Zangado por eu ter sido sequestrada e cheio de raiva por ele não ter sido capaz de me proteger — Que você foi molestada e sujeita a quase morte? Mais uma vez?

— Não posso simplesmente ter meu próprio colapso? — eu gritei, chocando a mim e a ele no processo — Não posso ser a única a enlouquecer esta noite? Você não acha que eu me sinto mal o suficiente, sabendo que se eu tivesse dormido em Hilltop como você disse, nada disso teria acontecido?

Ele se virou para mim, olhando como se eu tivesse enlouquecido, e eu abri o freezer, pegando a bandeja de cubos de gelo e batendo no balcão. Fui eu quem quase morreu. Fui eu quem foi tratada como se não fosse nada. Fui eu quem quase foi asfixiada. Ele não poderia simplesmente me apoiar ao invés de surtar também?

— Sinto muito — ele murmurou, parando minhas mãos enquanto eu torcia a bandeja para libertar alguns cubos.

Suas juntas estavam inchadas, tingidas de vermelho, e eu agarrei a toalha de prato que estava perto da pia, jogando um pouco de gelo nela e segurando-a em seu ferimento.

— Eu não quero pensar sobre isso. Eu não quero discutir isso, Negan. Isso não vai mudar nada e não substitui o fato de que você estava lá quando eu precisei.

Levantei os olhos, observando-o enquanto ele vinha em minha direção com os braços ligeiramente abertos. Ele parecia cauteloso, mas eu me aninhei entre eles, deixando-o balançar-me de um lado para o outro.

— Vou cuidar do seu rosto e então você precisa dormir um pouco.

Nós dois voltamos para a sala e eu permiti que meus olhos se fechassem enquanto ele passava alguns antibióticos nos meus ferimentos, usando apenas um toque de penas. Quando ele terminou, senti seus lábios na minha testa e suas mãos deslizarem pelos meus braços, esfregando-os levemente.

— Eu quero apagar tudo isso da sua mente, Ellie — ele disse contra minha pele.

— Essa não foi a primeira vez e nem vai ser a última que algo assim possa acontecer — falei, então ele me olhou — Mas eu sei que posso contar sempre com você para ir ao meu resgate.

— Assim como você iria ao meu — ele disse com tanto carinho que me deixou ainda mais emocionada.

Eu sabia que não importava o que pudesse acontecer, nós estaríamos ali, um para o outro.




— Estou bem, meu amor — eu disse quando Thomas entrou hesitante porta a dentro.

Era de manhã e eu ainda estava na cama quando ele me abraçou, arrancando um gemido de dor de mim. Negan estava sentado na beira da cama, nos olhando.

— Está bem de verdade? — ele perguntou, sério. Ele tinha o mesmo olhar protetor de Negan, me olhando preocupado.

— Estou — eu garanti e sorri um pouco para tranquilizá-lo — Seu pai disse que você ajudou Eugene. Muito obrigado.

Ele pareceu refletir por um momento, e seu rosto endureceu um pouco.

— Eles estão mortos? Aqueles homens? — ele perguntou e eu olhei para Negan. Ele estava completamente sereno, e eu relaxei um pouco.

— Sim. Eles estão mortos.

— Isso é o que vai acontecer com todos que tentarem te machucar — ele disse com tanta seriedade que congelou meu sangue nas veias por um momento — Agora eu posso te proteger, proteger meu pai e todos daqui.

Eu não consegui fazer nada além de abraçá-lo. Thomas às vezes tinha pensamentos intensos demais para um garoto tão jovem. Mas o que eu podia fazer? Esse era o mundo que ele conheceu. O único. Desde cedo ele aprendeu a não machucar ninguém a menos que fosse machucado antes, e que toda vida humana era valiosa, mas isso caía por terra a partir do momento que a outra pessoa o colocava em risco.

Thomas estava colocando isso em prática, agindo e pensando como eu e Negan havíamos ensinado-o e preparado-o. Ele era uma mistura meio e meio de nós dois, e apesar de que eu preferisse que ele tivesse conhecido o mundo como foi um dia, no fundo sabia que era melhor ele não ter uma noção de como tudo era melhor antes. Eu estava orgulhosa do homem que eu estava criando, e Negan não precisava falar para que eu soubesse, seus olhos brilhantes eram o suficiente.

Um dia, daqui há muitos anos, Thomas estaria no comando desse lugar ou de qualquer outra comunidade, e eu sabia que estava moldando alguém forte, inteligente e de bom coração, e por agora, isso bastava.





Dois Lados | NeganOnde histórias criam vida. Descubra agora