Ele veio

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São Paulo, 27/02/1996

Sofia POV

"Ele não vem mesmo né?" aquela era provavelmente a terceira ou quarta vez que eu fazia aquela mesma pergunta a Maria, com uma entonação carregada em um mix de impaciência, raiva e zero aceitação dos fatos. Aquele era meu primeiro recital de piano e mais do que qualquer outra coisa no mundo eu esperava realmente que meu pai estivesse ali.

- Para de se mexer, Sofia. Se não ficar quieta não consigo ajeitar seu cabelo.

Maria disse aquilo enquanto tentava fazer um penteado ridículo em mim. Eu detestava qualquer coisa que fugisse do trivial, então se não pudesse usar meu cabelo solto e ao natural, já ficava incomodada. Olhei através da cortina do palco e lá estavam meu avô e minha tia sentados confortavelmente na primeira fileira, a cadeira vaga ao lado esquerdo deles me revelava que durante mais uma ocasião o meu pai não estaria comigo. Não que eu já não estivesse habituada, mas naquele dia em especial eu esperava vê-lo ali, já que ele fazia muito mais questão daquelas malditas aulas de piano do que eu.

- Ele deve ter ficado preso no trânsito.

Assim que Maria finalizou aquele coque horroroso me virei ficando de frente para ela; estava prestes a despejar sobre ela toda a minha frustração, mas ela não merecia aquilo. Respirei fundo e me reservei a me fazer indiferente apenas

- Que seja. Eu só quero acabar logo com isso (...)

Miguel POV

- " Denis, a gente pode remarcar essa reunião? Sabe... Eu tenho um compromisso importante hoje. "

Eu disse aquilo um pouco sem jeito no momento exato em que Denis Carvalho ligou para o meu celular. Nos últimos dias eu estava sendo um pouco mais ausente do que o normal na vida de minha filha e talvez aquela fosse uma das únicas sextas feiras do ano em que eu estivesse realmente disponível para ela. Estava parado no trânsito há alguns minutos, porém há poucas quadras do auditório onde ela se apresentaria. Definitivamente mudar de rota naquele momento não era uma opção.

- Não. - curto e grosso. - Eu realmente preciso falar com vocês hoje. Era o único dia que todos vocês podiam e no domingo viajo para Nova York.

- E? - tínhamos intimidade o bastante para que eu o respondesse daquela forma -

- E daí que eu só retorno no dia dez do mês que vem, que será o dia do nosso ensaio. Então eu preciso mesmo falar com vocês.

Recostei a cabeça no banco do carro, fechei os olhos e respirei fundo. Não sei se Sofia entenderia daquela vez, mas eu precisava tentar.

- Eu já chego aí. - o respondi sem entusiasmo algum - Agora, só me responde uma coisa. Qual o propósito desse encontro?

- Quero que deem uma olhada no roteiro do piloto e também que você e seus colegas se conheçam.

Aquele não era o melhor dia para apresentações, eu não estava mesmo com cabeça pra isso. Ensaiei uma última tentativa de fazê-lo mudar de ideia. Eu sabia que Denis era bastante sério e irredutível dependendo da ocasião, mas eu precisava tentar.

- Eu já conheço todo mundo, Denis. Não tem necessidade que eu vá.

- Na verdade ainda falta uma pessoa.

- Hum? - revirei os olhos em sinal de desinteresse. -

- Marisa. Marisa Orth

Quando escutei aquele nome senti meu corpo sair de órbita por um instante. Esboçando um pequeno flashback na memória, eu me vi novamente bem no começo daquela década. Entre 1990 e 1991, que foi quando eu a conheci. Aquela mulher dona de uma beleza exótica e com aquele quê de mistério tinha conseguido a proeza de despertar o meu interesse muito rapidamente; durante mais de um ano estivemos juntos fazendo temporadas belíssimas pelo Brasil afora. A nossa aproximação se deu de forma gradativa. Eu que nunca fui de entregar os pontos, que sempre investi pesado em todas as mulheres que me despertassem interesse, vi todos os meus investimentos irem por água abaixo no momento em que tentei beijá-la durante uma noite em um pub. Estávamos em alguma cidadezinha do Sul e ali ela me confidenciou algo que eu jamais esperaria ouvir.


Flashback on

"- Você tá tão quieto hoje."

Depois de inúmeras tentativas frustradas de sair a sós com ela, eu finalmente tinha realizado tal façanha após quase implorar para que Wilker a convencesse. Talvez meio tardiamente, aquele era o nosso último fim de semana juntos... Mas já não era segredo para ninguém daquele elenco o quanto eu ansiava levá-la para cama, de modo que vez ou outra alguém tentava nos dar um empurrão. O escolhido da noite foi meu amado José. Eu queria mais do que qualquer coisa fazer com que aquilo valesse a pena, mas pelo visto estava deixando a desejar.

My Fair LadiesOnde histórias criam vida. Descubra agora