Dois Perdidos

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Miguel

(...)

Dirigir já não era das minhas funções favoritas há tempos; tinha a impressão de que o caminho se tornava ainda mais longo na falta de ter alguém ali do lado pra jogar conversa fora.

Naquelas condições, somente uma pessoa era capaz de trazer um pouco mais de vida àquele carro e digamos que nem era necessariamente a companhia que mais me agradava; um locutor de voz anasalada comandava através do rádio a programação da madrugada. Chegava a ser torturante para os meus ouvidos suportarem por tanto tempo aquele cara falando pelo nariz, isso sem falar das tentativas forçadas de se fazer humor. Comprimi minimamente os lábios exibindo uma careta, acho que a cota de sofrimento já havia se esgotado. Sem tirar minhas atenções da estrada, fui tateando pelo painel de som a fim de encontrar alguma outra estação.

Na frequência seguinte, uma voz feminina bem mais aprazível acabava de anunciar o programa que se estenderia pelas próximas horas; tratava -se de um especial da Jovem Guarda.

Nos meus recém completos trinta e sete anos, eu não me considerava nem próximo de velho, mas duvido muito que alguém que tenha vivido a essência da juventude naquela época estaria acordado até tão tarde para ouvir; pensando por esse lado, eu daria um pouco de audiência àquela moça.

Quando os primeiros acordes que compunham aquela canção se iniciaram, eu era tomado por uma sessão de nostalgia onde me lembrava de cada detalhe daquele verdadeiro show de horrores alguns meses atrás.

Eu te proponho

Nós nos amarmos

Nos entregarmos

Neste momento

Tudo lá fora

Deixar ficar...

Meu riso preenchia o ambiente enquanto minhas memórias acentuavam em meu imaginário aquele fatídico dia, quando nossos amigos declararam como oficial, a trilha sonora do nosso relacionamento.

" – Quando sair o casamento a Marisa vai entrar na igreja com essa música aí."

A fala de um Oscar Magrini levemente embriagado permeava meus pensamentos e eu me sentia mesmo tentado a aumentar um pouco mais o volume.

Flashback on: 29/04/1996

Marisa estava mais quieta do que qualquer outra pessoa naquela mesa; o que não era muito habitual nela

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Marisa estava mais quieta do que qualquer outra pessoa naquela mesa; o que não era muito habitual nela. Passei a me sentir responsável por isso quando tomei nota de nossa conversa algumas horas antes. Ao fim da gravação, como já era de praxe, eu havia combinado com alguns amigos de ficarmos pelo Quattrino mesmo - não queria dar mais motivo para Sofia intensificar o ódio por mim enfiando aquele monte de gente lá em casa tão tarde -.

Esperei em frente ao camarim delas até que Marisa saísse e o balde de água frio veio quando ela me lembrou da viagem que faria no dia seguinte. "Meu voo sai as seis e meia, amor. Eu preciso dormir cedo".

My Fair LadiesOnde histórias criam vida. Descubra agora