Miguel
Passaríamos a noite ali se fosse preciso; a hostilidade eminente em seu modo de me tratar não me intimidava nem um pouco. Que fosse ou não da sua vontade, mas eu não arredaria o pé dali enquanto ela não entrasse nesse carro.
- Que festa o quê — a corrigi já um pouco excedido — Para com isso.
Ela continuava indiferente aos meus apelos. Eu não poderia mensurar de quais nomes ela estaria me xingando agora, mas já me preparei para o pior quando a vi diminuir vagarosamente o ritmo de seus passos.
- Entra, vai. Eu prometo que em dez minutos você vai estar em casa.
Eu estava certo de que minha insistência a levaria a loucura e mesmo que fosse para descarregar em mim toda a raiva, ela diria alguma coisa. Quando nada disso aconteceu, eu soube que havia algo errado ali.
- Marisa? — esperei até me certificar de que não haveria uma resposta para chamá-la de novo — Marisa?! — elevei um pouco o tom de voz —
Ainda chamei por ela mais duas ou três vezes; já estava a postos para destravar a trava de segurança, mas o que viria a seguir praticamente me obrigou a tomar uma atitude.
- Meu Deus! — exclamei alarmado antes de abrir com tudo a porta do carro e sair em disparada até ela; apenas um movimento errado foi o suficiente para causar um estrago. O pé dela havia se virado quase por completo e por pouco não ocasionou uma queda feia. — O que foi isso? Vem, deixa eu te ajudar.
Quando meus dedos tocaram a pele fria de seu antebraço, Marisa se esquivou contraindo seu corpo quase em protesto.
- Não precisa — disse apática — Eu posso andar.
- Você quase caiu. Foi tontura de novo?— ela ainda repelia ao meu toque e a qualquer tipo de contato — Sua médica não passou uma medicação pra aliviar esses enjoos? Dramin, Meclin, sei lá... Tem algum aqui na bolsa? — a preocupação se tornava uma constante ainda maior e as perguntas saíam avulsas. —
- Não. E você não tem nada pra olhar aqui. — juro que quis procurar pelo remédio na melhor das intenções —
- Então me deixa te ajudar. — era um pedido quase desesperado e eu almejava que ela sentisse o pesar em minha voz — Se apoia em mim que a gente vai andar até o carro. — envolvi meu braço direito em sua cintura e usando a outra mão, fiz com que ela se segurasse em meu pescoço. — Consegue?
- Eu já falei que não foi nada! — ela disse com rispidez e em dois tempos se soltou de mim — Vai pra casa, Miguel. Você não tem que fazer mais nada por mim.
Eu já estava farto de tudo e só mais uma ressalva me faria acabar perdendo de vez a cabeça.
- Marisa, por favor — passei a mão pelo rosto tentando me manter firme. Eu precisava falar sério com ela e mais do que isso, dosar bem as palavras — Nós dois estamos cansados, morrendo de sono, você quer ir pra casa e eu também. Mas eu não vou conseguir deitar a cabeça no travesseiro enquanto eu não tiver a certeza de que você chegou em casa bem e que cuidamos desse machucado, então por favor! — dei bastante ênfase às duas últimas palavras — Entra nesse carro e aceita a minha ajuda porque senão a gente vai ficar nisso a noite toda. Eu não vou sair daqui. Você querendo ou não.
Marisa
Por mais que a fala dele soasse arrogante aos meus ouvidos, eu não saberia mais fingir. Eu de fato precisava de ajuda. Quando pensei estar pronta para apoiar os dois pés ao solo, mal podia sentir meu pé esquerdo.
Meus olhos se voltaram para ele de forma suplicante e ele pareceu entender.
Aquela mão firme envolveu novamente a minha cintura e busquei apoio nos ombros dele.
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My Fair Ladies
Romance"Fundamental é mesmo o amor é impossível ser feliz sozinho" este trecho eternizado por Tom Jobim jamais poderia ser aplicado à vida de um dos protagonistas dessa história; Miguel Falabella. Um carioca desapegado, de alma leve e faceiro que não troca...