Minha flor, meu bebê

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Sofia POV

Já estava ficando desconfortável encontrar alguma posição naquele sofá. Com o controle remoto em mãos, eu passeava há horas por todos os canais disponíveis na TV a cabo mas nada daquilo parecia ser suficientemente interessante para que prendesse minha atenção por mais do que alguns minutos. Só agora me dava conta do por que detestava tanto passar os finais de semana em São Paulo; em condições normais iria dormir na casa de alguma amiga ou qualquer coisa do tipo, porém Gabi, a única amiga que tinha intimidade o suficiente para esse tipo de programação tinha ido a um casamento em outra cidade com os pais. Peguei o celular em mãos e em um breve devaneio pensei em ligar pra ela unicamente para saber como estava a festa, mas não era viável. Ela provavelmente estaria se divertindo e eu não tinha a menor intenção de atrapalhar.

Olhei brevemente para a ponta esquerda do enorme sofá e Maria já estava dando sinais de esgotamento, ela cochilava sentada enquanto eu me policiava ao máximo para abafar o riso que a cena me provocara. Que horas eram mesmo? Hum, 1:22 da manhã. Talvez já estivesse mesmo na hora de dormir. Joguei a almofada em meu colo para longe e enquanto me preparava para subir ao meu quarto, percebi algo sobre a mesinha de centro; a fita vhs que havia alugado uns dias atrás. Só então me dava conta de que a tirara da mochila porque pretendia assistir com meu pai ainda hoje.

A propósito, de quão cedo estávamos falando quando ele afirmou que não demoraria a voltar pra casa? Levando em consideração todo um histórico de noites mal dormidas que ele tinha, qualquer horário antes das três da manhã ainda era cedo demais. Mas não pra mim. Já estava ficando com sono e eu mais do que nunca queria assistir àquele filme na companhia dele. Teríamos o domingo inteiro para isso? Sim. Mas no momento eu me interessava muitíssimo mais somente em destruir o encontro dele mesmo. Não deveria me orgulhar disso, mas já estava de saco cheio por sempre ser deixada de lado. Dei uma última olhada em Maria só para me certificar de que ela permanecia na mesma posição, eu sabia que ela me mataria se soubesse que estava ligando pra ele. Ainda mais da forma como eu era mestre em chantageá-lo. Talvez fosse a única pessoa no mundo que conseguiria trazê-lo na palma das mãos. Disquei aqueles números como se minha vida dependesse daquilo e enquanto aguardava chamar peguei a fita em mãos dando uma breve analisada na capa. As Patricinhas de Beverly Hills não era exatamente o tipo de cultura que o atraía, mas venhamos e convenhamos que nem sempre uma adolescente de dezesseis anos está com cabeça o bastante para assistir e comentar mais uma daquelas comédias excêntricas de Almodóvar. Hoje decididamente ele iria fazer esse sacrifício por mim.

Miguel POV

Quando achei que ainda estava em tempo de ignorar aquela ligação para dar continuidade ao que havíamos começado, já era tarde demais. Ela se sentou ao meu lado e trazia em sua face uma expressão frustrada, ou talvez estivesse muito brava comigo agora. Bom, o que quer que fosse não era algo positivo. Passei as mãos pelo rosto antes de atender aquela bendita ligação, teria que me controlar ao máximo para não dar nenhuma pista do que estava fazendo.

- Oi Sofia. - eu disse sem empolgação alguma -

- E o nosso combinado? - ela disse quase que em um tom de cobrança -

Merda. Tinha me esquecido completamente disso. Decididamente eu não tinha a intenção de ir embora dali agora.

- Não podemos deixar pra amanhã?

Pude a ouvir bufando do outro lado da linha

- Jura que me fez ficar acordada até agora por nada?

Eu estava encrencado. Marisa me fitava com um olhar vazio e só de pensar na hipótese de ter que ir embora dali deixando pra trás uma noite perfeita, sentia meu coração apertar.

- Olha, faz o que quiser. Se mudar de ideia vou estar te esperando.

Antes que eu pudesse respondê-la, Sofia encerrou a ligação. Joguei o telefone de qualquer maneira sobre o sofá e recostei minha cabeça durante um segundo pensando no que iria fazer. Eu só tinha duas opções e tentava a todo custo balancear para ver qual delas valeria a pena; se eu fosse para casa agora, Marisa provavelmente não me daria outra chance tão cedo e seria loucura desperdiçar uma oportunidade daquelas diante de todo o trabalho que tive para convencê-la. Por outro lado, se ficasse, teria que lidar com a indiferença de minha filha durante semanas até que me perdoasse por completo. Bom, já não seria a primeira vez que precisaria enfrentar o furacão conhecido como Sofia, então dessa vez ela precisaria entender. Em um movimento ladino ajeitei minha postura novamente e fui direto para os braços de Marisa. Segurei em seu queixo com delicadeza e fui aproximando nossas bocas bem lentamente.

Marisa POV

Eu nem sabia ao certo se realmente quis agir daquela forma, mas afastá-lo mais que depressa foi minha primeira reação quando senti aquele hálito quente se aproximando. Joguei a mão dele para longe e no curto período de tempo em que pude notar aquele par de olhos azuis me fitando de maneira confusa, aproveitei para vestir minha blusa de volta.

- O que deu em você?

Ele se levantou ficando a centímetros de mim. Estava de costas para ele e senti suas mãos me segurando com delicadeza pela cintura. Não poderia em um só momento deixar transparecer o quanto meu corpo gritava por ele agora.

- Acho melhor você ir embora.

Juntei coragem o suficiente e o encarei de volta. Era nítido o quanto não queria dizer aquilo, mas se havia alguma chance de rolar algo entre nós a filha dele conseguira a proeza de estragar tudo. Eu decididamente não pretendia causar nenhum desentendimento entre os dois e talvez aquela ligação tenha sido o sinal que eu precisava para aceitar de uma vez por todas que as coisas entre nós não tinham a menor chance de fluírem da maneira como eu esperava que fosse.

- Eu fiz algo de errado?

Um breve silêncio se instaurou entre nós. Não era proposital, mas eu não sabia mesmo se queria responder. Ele terminou de abotoar o jeans e o entreguei a camisa jogada próxima a meus pés.

- Não fez nada. Só não quero causar problemas com sua filha.

- Com ela eu me resolvo depois. Agora vem cá.

Miguel me trouxe de volta para si e ali em seus braços começava a pensar seriamente em voltar atrás. Nossos olhares fixos um ao outro faziam com que pensasse em tanta coisa... Talvez mais do que nunca em o quanto eu esperei por aquele momento. O quanto quis tê-lo ali, só pra mim. Mas eu realmente queria que fosse daquela forma? Uma one-night stand nunca era má ideia. Mas não com ele... Se transássemos hoje, eu não teria tanta certeza de que ele me procuraria amanhã ou depois... Não da maneira como eu gostaria que fosse. Por alguma razão passar aquela noite ao lado dele me trouxera uma sensação deliciosa de recomeço. Mas era loucura. Nós dois sabíamos que aquilo não aconteceria e eu não poderia me dar ao luxo de passar por tudo aquilo de novo. Estávamos só no primeiro trimestre daquele ano e me apegar a alguém não era uma opção.

- É sério - minha mão esquerda tocou de leve em seu peito nos afastando - Eu acho melhor não.

Eu sabia que vê-lo rastejando não fazia o gênero do Miguel, mas a forma como ele me fitava angustiado me fazia pensar que ele o faria sem pensar duas vezes se não fosse o único fato de saber que eu jogaria isso na cara dele na primeira oportunidade.

- Tudo bem então.

Aquela resposta seca era a deixa que eu precisava para encarar os fatos. Miguel se afastou um pouco e foi terminando de abotoar a camisa. Pegou o celular sobre o sofá e o colocou de volta no bolso aparentemente nervoso; não sabia se deveria mas decidi levá-lo até a porta. Ele me acompanhou logo atrás e antes de nos despedirmos, já do lado de fora, Miguel com as mãos apoiadas no batente da porta questionou algo que eu não esperava ouvir por agora.

- Podemos marcar uma outra vez?

Ele aguardava aflito por alguma resposta e sentia que meu coração acabaria saltando pela boca a qualquer momento. Uma voz bem no fundo da minha cabeça ecoava dizendo que iria quantas vezes ele quisesse, e de fato, era o que gostaria de dizer. Mas pelo menos uma vez na vida, eu, Marisa Orth, precisava por a mão na consciência e ser minimamente coerente.

- Por enquanto vamos deixar as coisas como estão, ok?

- Mas...

- Eu - o cortei antes que ele desse alguma solução - Eu... - as palavras se perdiam em uma confusão só - Já fiz o que queria. Agora me deixa em paz.

Não esperei tempo o bastante para ver qual seria a reação dele, eu sabia que as chances de voltar atrás seriam altíssimas se fizesse assim. Bati a porta com força literalmente na cara dele. Me encostei em seguida e tentando ao máximo fazer com que aquilo soasse menos dramático do que já era, respirei fundo tentando espalhar pra longe o choro que insistia em vir. Só esperava que estivesse fazendo a coisa certa.

Miguel POV

Há tempos não sabia qual era a sensação de levar uma portada na cara e lá no fundo esperava que não fosse justamente dela. Ali eu soube que já não teria mais o que fazer; eu iria para casa de um jeito ou de outro. Por mais que não quisesse fazê-lo por agora. Tomei o elevador de volta e estranhamente eu esperava que fosse embora dali com a mesma sensação de euforia que senti há alguns minutos atrás quando estava indo para o apartamento dela. Na verdade não saberia dizer o que estava sentindo agora. Talvez estivesse frustrado ou até mesmo chateado mas pelo quê exatamente? Já não era a primeira vez que um encontro não saía como planejado, mas por que justo com ela eu estava me sentindo assim? Na verdade eu me interessava mais do que nunca em saber o que tinha feito de tão errado para que ela mudasse de ideia daquela forma; tudo parecia estar indo tão bem entre nós. Lá no fundo eu sabia que a ligação de Sofia não era a única razão para que ela ficasse ríspida como ficou.

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