Almoço em família

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Sofia POV

Não saberia ao certo descrever o que se passava pela minha cabeça agora. Poderia dizer que estava morrendo de ciúmes, mas acho que na verdade eu só queria mesmo proteger o meu pai. Soava meio contraditório afirmar uma coisa dessas, querendo ou não ele ainda tinha vinte e poucos anos a mais do que eu, mas o fato era que ele se tornava uma negação quando estava envolvido com alguém. Meu pai se transformava. Seria pretensão demais da minha parte afirmar que aquilo estava prestes a acontecer de novo, afinal de contas pelas minhas avaliações na última semana ela não tinha sequer ligado de volta, mas o meu velho sim estava balançado desde o dia em que saíram juntos e nem precisava de muito esforço pra constatar isso. A forma como ele estava aéreo, meio distante, deixava ainda mais evidente que ele não desistiria tão fácil assim daquela mulher.

Soube que precisava sair dali o mais depressa possível quando senti que seria bombardeada com uma leva de perguntas. Dei uma desculpa qualquer e vim direto pra casa; eu definitivamente não pretendia ter que dar maiores explicações ao Tom e ao tio Denis naquela noite. Eu só precisava de um banho e me manter acordada até a hora dele chegar, ainda teria uma conversa séria com ele (...)

Nem me preocupava mais o fato de ter batido aquela porta com força o suficiente para acordar o prédio inteiro, já não estava ligando pra muita coisa depois de hoje.

- Ê Sofia, boa noite pra você também. - já estava indo para o meu quarto quando ouvi Maria chamar por mim. Aparentemente estava guardando as louças do jantar -

- É uma péssima noite, Maria - cruzei os braços apoiando meu corpo no batente da porta da cozinha. Minha expressão não era nada convidativa -

- O que foi dessa vez? - ela perguntou sem o menor sinal de interesse. Permaneceu enfiando as panelas no armário deixando bem claro que ela já sabia o motivo da minha raiva. Maria melhor do que ninguém acompanhava de camarote as brigas entre nós dois -

- Você acha pouco o meu pai me deixar plantada que nem uma idiota esperando por ele lá no ensaio?

Menti. Detestava mentir pra ela, mas se eu quisesse que ela ficasse do meu lado aquilo se fazia necessário.

- Vocês combinaram alguma coisa hoje? - ela jogou um verde, assim como quem não quer nada -

- Não, mas ele também não me disse hora nenhuma que ia pra casa da primeira vagabunda que aparecesse.

Esperei até que ela se manifestasse e nada; eu precisava mudar minha abordagem ou ficaríamos ali a noite toda.

- Maria - ela finalmente me encarou. Saí de onde estava e puxei uma cadeira para me sentar à mesa. - Me diz a verdade. O que ele te disse sobre essa Marisa?

Ela deu uma risadinha meio abafada, como se não quisesse piorar as coisas ainda mais.

- Não me disse nada, Sofia.

- Ah qual é? Você é a única pessoa no mundo pra quem ele conta tudo.

Ela permaneceu em silêncio durante alguns segundos, terminou o que estava fazendo e logo depois puxou uma cadeira ficando de frente para mim.

- E o que você quer saber então? - ela uniu as mãos sobre a mesa bastante séria -

- Não precisa dessa atuação toda - semicerrei os olhos e rimos em uníssono - Tudo bem - fiz uma pausa tentando organizar as palavras - Por que ele tá tão esquisito desde que saiu com ela? Ele conheceu essa mulher não tem nem um mês.

Ela negou com a cabeça algumas vezes e me encarou com ternura.

- Eles se conhecem há uns seis anos, Sosô.

Muito bem, agora eu estava mais confusa do que o normal.

- Mas de onde? Ele nunca falou sobre ela antes. - o que convenhamos não era nenhuma novidade. Era quase impossível arrancar dele as revelações sobre a vida amorosa de Miguel Falabella -

- Eles não tiveram contato durante esse tempo - ela se levantou indo até a bancada - Fiz bolo de milho pra você.

Oferecer um bolo agora era covardia; estava faminta. Mas o assunto era sério, não podia perder o foco.

- Maria você não me respondeu duas coisas já, quer se concentrar aqui por favor? - ela trouxe um pratinho com uma fatia de bolo e se sentou onde estava antes novamente -

- Eles se conheceram naquela peça que seu pai fez com o Wilker. Consegue lembrar? Você não era tão novinha assim na época.

Estava pensando com os meus botões e agora tudo começava a se encaixar. Eu tinha certeza que já tinha escutado o nome Marisa Orth em algum lugar e pelo visto estava certa.

- Caramba, eu me lembro! - estalei os dedos repetidas vezes - A que vivia reclamando de tudo não é? - pra não dizer chata -

Maria assentiu sorrindo.

- Quando eles estavam no Rio seu pai te levou em alguns ensaios.

- Umas duas ou três vezes no máximo.

Finalmente toquei naquela maravilha dos deuses que era o bolo de milho da Maria. Era tudo que eu precisava.

- Tá - parei por um minuto e a encarei de novo - E por que essa mulher resolveu voltar das cinzas pra vida dele só agora?

- Eu não sei, Sofia. Parece que ela tinha alguém na época e...

- Maria - a interrompi - O quanto você sabe dessa história?

- Não tem uma história. Eles nunca tiveram nada antes.

- Ah e você tá me dizendo que meu pai passou seis anos da vida dele esperando por ela?

- Não criatura. Seu pai nem lembrava dela. Foi uma coincidência os dois terem se encontrado de novo.

Ela se levantou retirando o prato.

- Quer mais um pedaço?

Nem a respondi, estava ocupada demais digerindo tudo aquilo. Coincidência ou obra do destino? Sentia calafrios só de pensar na possibilidade.

- Quais as chances disso tudo dar certo? - perguntei meio cabisbaixa -

- Disso o que? - ela colocou o prato logo a minha frente de novo -

- Você me entendeu - a fitei com um semblante vazio - Quais as chances dessa mulher se tornar a namorada oficial dele?

- Acho difícil - ela segurou em minhas mãos sorrindo - Você sabe muito bem que ele não se envolve com quem trabalha.

Aquilo me confortava de certa forma. Bom, pelo menos até onde eu me lembre eu só tinha visto pessoas anônimas entrando e saindo da nossa casa no decorrer desses anos todos.

My Fair LadiesOnde histórias criam vida. Descubra agora