Miguel
Eu relutava tentando impedir que minha fragilidade ficasse tão em evidência, meus olhos se imergiam sobre sua face inibida me dizendo que buscávamos por algo esquecido um no outro.
Eu seria um grandíssimo canalha se cedesse a urgência que sentira em tê-la em meus braços agora, isso colocaria em jogo a aproximação que tardamos tanto a desenvolver... Mas ela não me dava escolha, sua expressão serena pousava sobre mim como se fosse um ultimato para que eu agisse. Em um ímpeto de coragem repousei minha mão sobre a dela e ensaiei uma boa brecha para aproximar nossos corpos.
- Amor? Por que a porta está aberta?
Tarde demais; eu sabia exatamente de quem era aquela voz e precisei me conter para não agarrá-la bem ali na frente dele, mas já estava valendo a pena só pela cara de paisagem de Gustavo ao nos surpreender ali.
- Nossa - Marisa exclamou ainda desorientada levando as mãos à cabeça - Eu hoje estou toda esquecida, Gu. O Miguel veio buscar aquela cópia dos meus documentos que eu tirei ontem a tarde. - me admirava tamanha atuação; depois de pensar por um milésimo de segundo ela me entregou um papel qualquer esquecido sobre a mesa no centro da sala, pelo visto nada importante. Eu a lia através de qualquer gesto ou olhar e quando ela cogitou que eu poderia colocar tudo a perder, percebi o nervosismo estampado naqueles olhos verdes que praticamente imploravam para que eu confirmasse. -
- Sim, eu viajo amanhã cedo. - me levantei já dando sinais de que pretendia sair logo dali - É um medicamento importado que ela vai começar a tomar, Gustavo. Meu irmão conseguiu com um colega, mas a gente precisa da documentação da Marisa - sorri forçadamente enquanto passava por entre os dois -
Era notório como minha presença poderia causar tanto mal estar entre três pessoas e confesso que lá no fundo eu estava adorando. Um silêncio coletivo havia se instaurado naquela sala e quando tornei a encará-la percebi que ela estava menos tensa. Acho que tinha me saído bem.
- Você precisa descansar também, Miguel. - Gustavo me lançou um sorriso carregado de cinismo enquanto a abraçava por trás; era como se quisesse marcar território ou algo assim. - Tem que poupar suas energias pra cuidar do bebê daqui uns meses. - ele elevou a sobrancelha e me encarou ainda mais sarcástico. -
Nem era o pior se comparado ao que vinha depois, eu sinceramente tinha total convicção de que nós dois estávamos seguindo em frente, felizes com as nossas escolhas, mas agora eu não era capaz dar nome ao que sentira quando o assisti beijá-la.
- Amor, eu vou pegar um vinho na adega. Vou pedir pizza mais tarde - Marisa assentiu sorrindo, parecia meio sem graça até. -
Eu estava sobrando e depois de tudo eu já não tinha mais o que fazer ali, me sentia um tolo por ter cogitado beijá-la. Ela me analisava estática, era como se esperasse que eu dissesse algo. Mas sinceramente, dizer o quê? Eu já tinha meus trinta e sete anos de experiência e detestava aqueles joguinhos; se ela estivesse mesmo interessada em mim não seria necessário que eu tomasse iniciativa, Marisa não era disso.
Depositei minha mão sobre a maçaneta e um calafrio me subira a espinha quando senti sua mão encostar em meu ombro.
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My Fair Ladies
Romance"Fundamental é mesmo o amor é impossível ser feliz sozinho" este trecho eternizado por Tom Jobim jamais poderia ser aplicado à vida de um dos protagonistas dessa história; Miguel Falabella. Um carioca desapegado, de alma leve e faceiro que não troca...