Marisa
Parecia que uma noite inteira não seria suficiente para que eu pudesse me recompor por completo, já estava rolando na cama a alguns minutos tentando prolongar mais ainda o meu despertar, já que não havia preparado nenhuma programação específica para a manhã.
Afofei um pouco o travesseiro e fiz uma última tentativa de buscar por alguma posição confortável, o lado frio do travesseiro era perfeito e finalmente depois daquela luta senti meu corpo relaxar.Nada no mundo poderia tirar a paz que sentia, ou talvez quase nada. Soltei o ar pelas narinas, somente intensificando meu descontentamento quando ouvi o toque estridente do celular, melhor que fosse importante – pensei comigo mesma -.
Fui tateando ainda com os olhos fechados sobre a mesa acoplada a cabeceira da cama, acho que estava ali em algum lugar.
— Alô. — tentei disfarçar o quanto pude a voz sonolenta.—
— Bom dia — reconheceria facilmente o timbre rouco do outro lado da linha — Te acordei?
— Não — me sentei sobre a cama ainda um pouco desorientada tentando visualizar as horas no rádio relógio ao meu lado esquerdo. Nem sete e meia ainda. — Na verdade acordou sim. — eu me corrigi cerrando os olhos de imediato logo que senti a claridade por entre as frestas da cortina vindo de encontro a minha face.— Aconteceu alguma coisa?
— Não, não. — ele se adiantou em me tranquilizar — Eu queria saber se você tinha acordado bem. Eu cheguei aqui faz uns dez minutos e já tô na correria.
— Bem, eu acho. — o respondi desinteressada — A apatia era como uma espécie de mecanismo de defesa, mas internamente eu me sentia eufórica, louca pra reavivar a nossa chama de casal pelo menos um pouquinho com aquela leva de perguntas “como foi a viagem?" "você comeu direito?" "Dormiu bem?...” era mesmo um convite, mas eu não poderia sair do personagem.
— Depois que você dormiu ainda fiquei mais de hora só te olhando. — ele disse com doçura. — Fiquei com medo de ir embora sem ter certeza que já tinha passado.
Olhei de relance para o lado oposto da cama e sorri involuntariamente ao visualizar o lençol completamente amassado; vestígios de um Miguel e seu sono agitado. Tudo era tão equilibrado entre nós que enquanto para mim bastava bater na cama para dormir feito uma pedra, ele em contrapartida se mexia o tempo todo.Motivo de desentendimento entre a gente, inclusive. Era impagável a carinha que ele fazia sempre que eu me irritava ameaçando sair de perto.
— Eu nem vi você saindo. Foi embora muito tarde? — tentei ser bastante formal, do jeito que meus hormônios estavam em alta tinha grandes chances de que ficasse meio emocionada demais e colocasse tudo a perder.
— Acho que umas duas e meia. Ainda te disse que ia sair mas você só resmungou — ele riu por entre os dentes. — A que horas a Nice chega? — ele mudou de assunto de repente.— Daqui a pouco, por que? — não havia compreendido por qual razão ele estava interessado.
— Porque assim eu sei que a senhorita será bem cuidada. Agora pela manhã as coisas são meio corridas lá em casa, mas a Maria vai passar aí depois do almoço.
— Pra quê?
— Pedi pra ela dar uma olhada em você. Na verdade eu ia ligar pra sua mãe, mas eu sei que você ia ficar brava comigo se eu deixasse ela preocupada.— Você não existe — sorri soltando o ar pelo nariz. — Não precisava disso.
— Claro que precisava. Assim eu fico mais tranquilo. — ele ficou quieto por um momento até dar continuidade. — Eu vou ter que desligar agora, tenho reunião. Mas me liga se precisar de qualquer coisa, tá bem?
— Ligo sim.— E vê se come direito, quero esse neném bem gordinho.
Rimos em uníssono com o comentário enquanto eu concordava com a cabeça.
— Sim senhor.
Encerramos de forma breve depois disso, não queria atrasá-lo e menos ainda deixar tão em evidência o meu contentamento com o cuidado que ele estava tendo. Eu sei que não deveria misturar as coisas e talvez aquilo não fosse mais do que obrigação dele, mas acho que lá no fundo eu havia colocado expectativas demais com a vinda daquela criança, era aquilo que eu esperava dele desde quando soube da gravidez.
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My Fair Ladies
Romance"Fundamental é mesmo o amor é impossível ser feliz sozinho" este trecho eternizado por Tom Jobim jamais poderia ser aplicado à vida de um dos protagonistas dessa história; Miguel Falabella. Um carioca desapegado, de alma leve e faceiro que não troca...