Velhos conhecidos

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Miguel POV

(...)

Talvez eu estivesse sendo inconsequente demais para um homem no auge de seus 36 anos; talvez Sofia não compreendesse minha ausência daquela vez, mas eu precisava tentar.


Era um trajeto razoavelmente curto do sinal onde eu estava até o prédio de Dênis, o que não me dava margem o suficiente para refletir se estava fazendo a coisa certa. Durante algum tempo eu pensei mesmo em voltar, que era loucura perder um dia importante na vida de minha filha apenas por um capricho meu, ou volúpia melhor dizendo. Mas eu era ansioso. Eu sempre quis tudo pra ontem. E eu não saberia esperar até o próximo mês para que me encontrasse com ela novamente. Aumentei o volume do som e trazendo na face um sorriso malicioso, voltei minhas atenções somente para o trânsito. Agora mais do que nunca eu estava decidido a chegar lá. (...)

"Grande Miguel!"

Sorri meio sem graça quando encontrei aquela aglomeração de pessoas gritando por mim logo na chegada. Dênis aparentava já estar levemente alterado e parecia mais feliz do que de costume simplesmente por me ver ali; com a mão ainda apoiada em meu ombro enquanto me entregava uma cerveja com a outra ele fez questão de não prolongar aquilo ainda mais.

- Dá uma olhada em quem tá ali com a Cláudia. - ele sussurrou rente ao meu ouvido -

Corri os olhos rapidamente por todos os presentes ali naquele espaço até chegar a quem realmente me interessava. Cheguei a sair de órbita no instante em que nossos olhares se encontraram, aparentemente ela já me observava a algum tempo e pareceu desconcertada quando eu sorri em sua direção. Talvez aquilo fosse loucura minha ou até mesmo apenas um calor do momento, mas eu poderia jurar que ela estava ainda mais gostosa do que o normal. Se a intenção era causar, ela tinha conseguido. Usando um jeans apertado e uma camiseta branca de decote bastante chamativo, ela fazia com que se tornasse impossível não a devorá-la com os olhos.

- Miguel, vai lá. Você está babando.

Dênis me tirou daquele transe e por um momento pensei seriamente em respondê-lo a altura, mas daquela vez ele tinha razão. Bati de leve a mão nos ombros dele e fui me aproximando de onde ela estava.


Marisa POV


- Não é possível...

Esperei durante uns cinco segundos para que ela se pronunciasse e tudo que ouvia ainda eram os burburinhos que vinham da sala. Olhei para ela novamente e decidi tirar aquela história a limpo de vez

- Está me dizendo que...

Não foi preciso a conclusão daquela pergunta. A forma como ela assentiu euforicamente sorrindo feito criança serviu para acabar com as poucas dúvidas que restavam. Eu pretendia protestar ou fazer qualquer tipo de comentário que demonstrasse que eu não estava a vontade com aquilo, por mais que ele fosse quase um irmão pra ela, eu tinha quase certeza de que ela concordaria que seria desconfortável trabalhar com ele de novo. Já estava quase soltando tudo aquilo em cima dela quando percebi que ele caminhava em nossa direção. Fiquei quase que desestabilizada por um segundo. Ele deu um beijo no rosto de Claudia da forma mais carinhosa possível e se virou para mim em seguida. Não consegui tirar aquele sorriso amarelo do rosto nem por um minuto e antes que ele ameaçasse dizer o que quer que fosse, eu me prontifiquei a cumprimentá-lo, bastante seca inclusive.

- Oi

- Oi Marisa - uma sobrancelha levemente arqueada junto àquele sorriso canteiro que me tirava do eixo, por mais que eu relutasse contra isso -

Ficamos nos encarando durante um tempo e no fundo, bem lá no fundo, eu esperava que ele dissesse mais alguma coisa.

- Ué, vocês já se conhecem?

Cláudia fez com que eu voltasse para aquela realidade e antes que eu pudesse respondê-la ele decidiu se adiantar

- Mais ou menos.

Ele mantinha os olhos fixos em mim e de alguma forma aquilo estava me incomodando. Eu estava prestes a sair dali, não sair para outro canto do apartamento, ir embora mesmo. Daria qualquer desculpa à Dênis e pediria para que remarcássemos aquela reunião para outro dia; de preferência sem a presença dele ali.

Miguel POV

Percebi que ela estava ficando impaciente e tentei articular qualquer coisa que pudesse fazer para mantê-la ali. Não sei se por obra do destino ou por qualquer tipo de conexão mental que já mantínhamos a anos, Claudia decidiu adiantar e muito o meu lado.

- Eu vou dar um telefonema e já volto.

Eu a conhecia bem e tinha quase certeza que ela sabia que havia algo errado ali. Ela não voltaria. Aquela era a minha chance e agora mais do que nunca eu iria agir. Esperei até que ela se afastasse completamente e fiz um convite.

- Quer ir até a varanda fumar um cigarro?

- Parei já faz um tempo.

- Bom, então... Pelo menos me faz companhia?

Estava arriscando demais, mas quando perguntei aquilo tentei ensaiar meu melhor sorriso.

- Não vai tentar me agarrar desta vez? - ela cruzou os braços e sorriu sarcástica -

Esperava ouvir tudo agora, exceto que ela trouxesse aquele episódio a tona novamente. Dentro de mim ecoava uma vontade incontrolável de dizer a ela que se ela permitisse eu o faria sem pensar duas vezes, mas eu precisava manter os meus bons modos. Pelo menos por agora.

- Certamente que não. - tentei ser o mais firme possível -

Ela pegou a bolsa sob a cadeira e foi caminhando na frente até a sacada.

Marisa POV

Eu só podia estar enlouquecendo; talvez ele fosse no mundo a pessoa com quem eu menos quisesse estar agora, mas a curiosidade falou mais alto e eu realmente queria entender qual era a dele. Me encostei no engradado ficando de frente para ele enquanto o observava retirar o maço de Marlboro do bolso direito de seu jeans. Ele se juntou a mim ficando na mesma posição que eu me encontrava. Acendeu o cigarro e após um breve silêncio eu decidi dizer qualquer coisa.

- Desde quando a gente se conhece mais ou menos?

Ele pareceu surpreso. Me encarou e deu uma longa tragada, como se quisesse fugir daquilo. Soltou o ar aos poucos e desviou nossos olhares mais uma vez.

- Se eu dissesse a verdade ela iria colar em mim a noite toda.

- E qual é o problema? Vocês são amigos, não?

Ele apenas assentiu antes de dar mais um trago.

- Muito. Mas essa noite eu não pretendia estar com ninguém além de você.

Eu o encarei incrédula e quando estava prestes a despejar uma série de obscenidades sobre ele, ele tentou se retratar.

- Quero dizer, na sua companhia.

Eu sabia que se não mudasse os rumos daquela conversa iria acabar ouvindo o que não queria.

- Tá morando em São Paulo agora?

- Mais ou menos. Tenho passado mais tempo aqui mas ainda vou muito ao Rio. Sofia gosta de ficar por lá nos fins de semana.

- Nossa, verdade. Com que idade ela está? Quando conheci ainda era uma garotinha cheia de opinião. - sorri e ele retribuiu em seguida -

- Continua do mesmo jeito, só que agora é uma adolescente cheia de opinião. Ela acabou de completar 16 anos.

Ele fez um breve silêncio e tinha um olhar perdido, como se quisesse fazer um desabafo qualquer.

- Não tenho sido um bom pai pra ela nos últimos anos, acho que a personalidade forte é a maneira que ela encontra pra protestar.

Não quis me envolver mais naquilo e durante o pouco tempo que tive para pensar um pouco mais sobre a filha dele, deduzi que era compreensível ter um gênio difícil. Lidar com o fato da mãe ter sumido no mundo quando ainda era recém nascida em conjunto com um pai que não parava nunca não deveria ser fácil.

- Mas e você? - ele fez com que eu me desligasse daqueles pensamentos de repente -

- O que tem eu?

- Você... Você está, é... - Ele se enrolou todo e a forma como ele não tirava os olhos da minha mão esquerda fez com que eu deduzisse de cara o que ele pretendia saber -

- Casada? - Eu sorri sarcástica e a forma como ele ficou corado entregava o quão desconcertado ele estava - Não, não deu certo. - me virei desta vez ficando de frente para a rua. Apoiei os braços na grade e ele fez o mesmo em seguida. Um silêncio se instalou ali entre nós mais uma vez; pude ouvi-lo respirar um pouco mais fundo até dizer algo que eu realmente não esperava ouvir -

- Me perdoa por aquela vez.

- Aquilo já passou, e além disso...

- Marisa é sério. - ele alterou um pouco mais o tom de voz fazendo com que eu o encarasse - Eu não quero que continue com essa imagem ruim de mim.

- Sim e eu já disse que tá tudo certo. Não vamos mexer no que ficou lá atrás... - desviei nossos olhares e em uma fração de segundos senti sua mão quente repousar sobre o meu antebraço. Meu corpo se arrepiou por completo e não conseguia sequer esboçar alguma reação -

- Marisa... - ele praticamente sussurrou rente ao meu ouvido e quase estremeci. Fechei os olhos por um instante tentando desobedecer a todos os meus instintos naquela hora - Eu preciso de verdade me redimir com você. Posso te fazer um convite?

Eu já sabia aonde aquilo iria parar. Me afastei um pouco dele e dei de ombros quando ele finalmente falou.

- Se não tiver nenhum compromisso, aceita jantar comigo amanhã?

Eu ri soltando o ar pelo nariz porque de fato não estava acreditando naquilo tudo. Aquela era a deixa que eu precisava para sair dali de uma vez por todas. Me virei e quando fui pegar minha bolsa o senti me puxar pelo braço -

- Você não respondeu a minha pergunta.

E precisava? O fitei trazendo a face minha expressão mais cínica e neguei com a cabeça.

- Não?!

Seu tom de voz entregava o quão surpreso ele estava. Para quem se gabava por conseguir tudo o que quer, receber um não deveria ser de fato doloroso demais. (...)

Sofia POV

Por um momento eu realmente pensei que ele chegaria. Atrasado como de costume, mas chegaria. E não me importava o que ele dissesse depois ou o que as pessoas iriam pensar, mas eu planejava errar todas as notas de propósito só na intenção de matá-lo de vergonha. Estava ali por causa dele; e eu odiava mais ainda o fato de estar ali só por causa dele (...)

Oito da noite quando aquela tormenta finalmente chegou ao fim. O motorista já aguardava do lado de fora e logo que o avistei entrei no carro sem cerimônias. Provavelmente a minha consciência pesaria logo mais quando me desse conta que meu avô e minha tia vieram do Rio para me ver e eu sequer agradeci ou me despedi deles, mas eu sei que eles entenderiam. E pra falar a verdade aquilo nem me importava agora...


Maria se sentou ao meu lado no banco de trás e não fiz a menor questão de dizer alguma coisa; ela me conhecia bem e provavelmente saberia o que eu estava pensando agora. O trajeto até em casa permanecia em silêncio até que ela decidiu "me confortar"

- Eu vou ligar pra ele, Sosô.

- Pra que? Já acabou! Ele não veio e nem eu nem você podemos fazer nada a respeito.

Eu odiava ser rude com ela mas quando dei por mim já tinha saído. Mesmo assim ela ainda era capaz de me olhar com ternura e aquilo sim era covardia. Me aconcheguei junto a ela em seguida enquanto ela fazia um leve carinho em meu cabelo.

- Qual será a desculpa dessa vez? (...)









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