Tentar ficar amigos sem rancor

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Marisa POV

Aquela atitude meio precipitada não era exatamente o que eu planejava, mas eu estava vulnerável demais para raciocinar e todos os meus instintos com mais uma dose de hormônios em alta ordenavam para que eu o tirasse dali. Se é que se fazia possível, talvez aquilo agora soasse ainda mais dramático do que já era, mas assim que tive a certeza de que ele não voltaria, permiti externar de uma vez por todas tudo que estava segurando desde que ele havia chegado; em uma fração de segundos meu corpo em contato com a porta ia deslizando vagarosamente até que pudesse me sentar naquele chão frio.
Aquela maquiagem a qual eu tinha me dedicado durante alguns bons minutos para que ficasse quase impecável, agora ia se desfazendo pelo meu rosto.

Já não era a primeira vez que uma decepção amorosa me fazia perder o controle daquela forma, mas eu sentia que com ele e da maneira como as coisas tinham se desenrolado, a dor era muito maior. O peso de saber que eu tinha me dedicado àquele homem, o peso de pensar que eu havia me entregado de corpo e alma ao que estava sentindo me machucava muito. Eu quis ir devagar, lutei o quanto pude para não criar expectativas demais mas era inevitável; não estava acostumada a receber aquele tratamento de rainha e para uma mulher fragilizada emocionalmente, isso era um gatilho e tanto. As lágrimas desciam com intensidade e por mais que eu relutasse, a lembrança de todas as promessas e de todas as nossas noites de amor tomavam conta de meu imaginário fazendo com que aquele sofrimento se intensificasse ainda mais.

Eu tive medo de me doar muito no começo, sentia que ainda não estava preparada para firmar um compromisso, mas dois meses foram o suficiente para que eu me rendesse de vez aos encantos daquele carioca de alma suburbana e riso fácil. Agora era como se tudo se encaixasse, foram várias as ocasiões em que no calor de nossos lençóis eu o analisava com ternura frisando sem nenhum pesar o quanto eu o amava, ele nunca disse o mesmo; apenas se reservava a depositar um beijo em minha testa e virar para o outro lado da cama. Durante algum tempo eu cheguei a pensar que ele ainda não estaria preparado ou talvez tivesse medo do que sentia por mim, mas agora começava a acreditar que meu sentimento nunca fora correspondido.

Relacionamentos se findam pelos mais variados motivos, os meus não eram diferentes. Mas era a primeira vez que alguém batia na minha porta as dez da noite para deixar subentendido que era mais feliz quando solteiro. Onde eu teria errado? Confiança era a base do nosso namoro, nunca foi um problema ele viver cercado de amizades femininas e por mais que estivéssemos juntos, eu prezava e muito pela individualidade de cada um. Sabe... O que mais faltava?

Talvez o que mais me confortasse agora era pensar que muito provavelmente em um ou dois dias ele me procuraria para falarmos sobre o bebê; não que aquilo fosse me fazer repensar a minha decisão, mas o interesse dele em participar da gravidez e futuramente da vida da criança já diria e muito sobre o tipo de homem que ele era.

Como em um impulso involuntário repousei minhas mãos sobre meu ventre, ainda estava me acostumando com a minha nova condição, mas inconscientemente pedia desculpas ao meu filho por fazê-lo passar por tudo aquilo, não era justo.

(...)

Miguel POV

Eu ainda permanecia exatamente na mesma posição que ela havia me deixado, de frente para o apartamento e atônito o suficiente para que não conseguisse sequer me mover dali. Aquela última frase ainda ecoava em meu inconsciente e em uma tentativa quase frustrada de interligar todos os pontos eu ainda tentava entender como aquilo era possível; quer dizer, ela se prevenia e sempre deixou isso muito claro para mim. Não fazia sentido. Tentei manter a calma mesmo diante daquele caos e aos poucos buscar alguma explicação lógica para o que tinha acabado de ouvir.

My Fair LadiesOnde histórias criam vida. Descubra agora