VII - Guinevere.

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Voltará correndo para o quarto, com o livro enrolado no manto. As imagens da guerra de serafim não paravam de surgir, o ódio que levou Zukira à formar uma guerra.

O Deus supremo, pai de todos os outros, havia morrido a eras atrás, quando seu pai, Uriel - criador de mundos - O enfrentou pela conquista deste.

A rejeição e isolamento que sofreu por décadas, criaram um abismo devastador em Zukira. Renegada pelo pai, e exilada dos irmãos por ter sido parida por uma daimon de sangue. A antiga governante de Thenduran, que colocou a filha como governante do reino frio, foi a única que não a rejeitou. Esse sentimento torturava Vere, ela já havia sentido isso, embora nunca tivesse conseguido apaga-lo, converteu-o em força para continuar dia após dia.

Colocando o livro em cima da mesa, ela retirou o manto que o cobria, as letras douradas foram apagadas e nada menos que uma suave luz continuará. Se sentando a cadeira ela o abriu, o livro era inteiramente escrito em Karzits, a língua dos deuses. Quando pequena aprendera muito pouco sobre a língua milenar, conseguiu depois de muito tempo e esforço, recitar.

- Hyanth.
Sussurrou passando os dedos por cima da palavra.

A mesma sensação que havia tido na biblioteca voltou, começando por uma forte onda de dor que penetrava ossos e carne, seguida de um forte formigamento, e o aquecer do abismo onde sua magia ficava, as chamas crepitavam se espalhando por todo corpo quando se curvou e o mundo, novamente, brilhou.

▪▪▪

O sangue caia como chuva vermelha e fria do céu nebuloso. Assim que Zukira caiu, o restante de seu exército de daimons os atacou, os alados - Crusins - voavam a todo custo sobre as correntes fortes de ar, os que seguiam por terra - Feyrus - portavam armas, embora inferiores as de Hyanth e de seus irmãos, com o ódio que eles continham, a batalha era árdua.

- Crusins, a noroeste!
Gritou Thaylus, o Deus da terra e da guerra, mas antes que Hyanth pudesse fazer algo eles se contorceram no ar e caíram mortos, a responsável, Yana, deusa da escuridão, sorria, embora pudesse captar a melancolia que a rondava.

Eles, daimons, eram seres sombrios, assim como a irmã que nascera cercada por um véu de noite estrelada. Eram nascidos do mesmo material que ela tinha sido feita. E sabia que matar os seus, independente de suas ações, doía.

- Yana, Hyanth, Thamuz! Agora!
Berrou Thaylus.

Com uma rápida olhada para os dois irmãos, eles deram dois passos a frente e deram as mãos, já cortadas. Seus sangues se misturando era quase impossível de se aguentar, era uma tempestade de sentimentos, existências, e mundos diferentes.

Hyanth olhou os irmãos, Thamuz assentiu com firmeza, já Yana com hesitação assentiu, não podia fazer nada se não assentir também.

Os três mantinham uma conexão especial, e conforme seus sangues se conectavam seus poderes iam ao inimaginável, podiam destruir continentes e mundos, mas todos estavam cansados demais para a destruição total, e tinha chegado a hora dessa batalha acabar.

Como um só, seus poderes explodiram em rajadas de noite, sangue e diamante. Quando abriram os olhos os campos verdes estavam em cinzas, e onde deviam estar os exércitos de daimons jazia somente pó.

As dezenas que não foram afetadas, correram ou voaram o mais rápido que puderam.

Os três estavam esgotados quando se retiraram para o antigo castelo que cresceram, o lugar dourado que fora o palácio do pai.

A noite caiu, e a agitação era pouca conforme cuidavam dos poucos feridos. Não conseguia dormir, todas as vezes que fechava o olho a surpresa de Zukira quando foi banida por ela a assombrava. Respirando o ar ameno da noite sentada da enorme varanda, viu quando um suave, quase imperceptível bater de asas passou por cima do campo infértil a sua frente, com um rápido pensamento o arco e flecha estava a sua mão, quando colocou três flechas e atirou em direção ao ser que voava.

Como um raio ele caiu em espirais. Ela não sabia se o ser estava vivo ou morto, sem tempo para raciocinar, uma flor de chama a envolveu, quando o cheiro de morte, grama e flores a tocaram, seus pés já estavam na floresta que o daimon havia caído, e ele estava a sua frente, caído com suas flechas a sua costa.

Conforme ela se aproximou com uma bola de fogo nas mãos, os olhos dele se fixaram nela e ali algo cintilou, não soube se era ódio, paz ou conformação com o destino curto que se seguia a sua frente. Mas, ela não percebeu quando a bola se desfez e ela caminhou em direção ao crusin.

A dois passo dele ela parou, uma onda negra ondulou ao seu redor e diante dela estava um forte homem, de cabelos loiros claros, com traços firmes e marcantes, o corpo forte e alto estava curvado com sangue caindo no chão. Involuntariamente, suas mãos pegaram as flechas, assim que tocou a madeira, ele gritou.

- Farei rápido. O mais rápido que conseguir.
Ela se fixou nos olhos verdes como esmeraldas que mostravam, não medo, mas sim força, ela soube naquele momento que ele não era o tipo que se ajoelharia, pois ali ele a viu como uma igual, outros dariam as costas para o ser sombrio a sua frente, mas ela não conseguia. Quando ele assentiu ela puxou as flechas uma a uma, o sangue começou a descer mais rápido conforme ela pressionou as mãos no local e aos poucos o curou.

Onde as flechas estiveram, só restou três cicatrizes pálidas que entravam em contexto com as demais. Ela queria perguntar de uma que cruzava toda a extensão da costa, mas lembrou-se que o tinha atingido e ele podia tentar mata-la por isso, era um ser sombrio, embora ela só o visse como um homem que dera o azar de ter encontrado suas flechas.

Uma tremedeira atravessou o corpo do homem a sua frente quando ela se afastou, em um segundo ele desabara no chão.

Não podia deixá-lo ali. E ninguém se intrometeria em seus assuntos, pois ela o levaria para o palácio. Algo em seu interior torcia na presença dele, e se tensionou conforme os olhos de esmeralda se fecharam.

A flor de chamas os circundaram quando ela o trouxe para seu colo, o sangue seco manchava sua camisola conforme ele descansou sua cabeça entre seu ombro e pescoço, sua respiração era pesada, mostrava o cansaço que sentia, e de algum modo isso a fez se questionar se ele estava fugindo dela e não indo ataca-la.

Trono De Fogo - Fragmentos De Chamas E AguaOnde histórias criam vida. Descubra agora