prólogo.

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TRÊS MESES ATRÁS.

O estacionamento do supermercado estava vazio, exceto pelos automóveis estacionados em algumas das vagas. Estava consideravelmente frio nesta noite e o vento parecia cortar a ponta do nariz arrebitado da jovem de cabelos castanhos que trocava o peso do corpo de uma perna para a outra, sucessivamente. Ela já não sentia mais a ponta das orelhas e nem a dos dedos, mas era tudo por uma causa maior e logo ela iria para casa, se afundar debaixo de suas cobertas macias 100% algodão.

O moletom cinza escuro já não estava mais adiantando, mesmo que ela puxasse a gola mais para cima e as mangas mais para baixo, no intuito de aquecer as mãos. Os cabelos castanhos caiam em ondas em torno de seus ombros, em uma falsa crença de que eles providenciariam qualquer aquecimento, pelo menos em seu pescoço. Os cílios longos batiam repetidas vezes e seus olhos eram apenas frestas marejadas por causa do vento gelado que agredia seu rosto.

Foi uma ideia estúpida, ela pensou consigo mesma, rolando os olhos para trás e balançando a cabeça. Quando ela soube que Trenton estava de volta na cidade e que passaria no seu supermercado favorito antes de chegar em casa - porque ele estava muito cansado da viagem para vê-la -, ela decidiu que uma pequena surpresa seria inofensiva e o suficiente para matar um pouco da saudade que ela havia sentido nesses dias. Com a proximidade do fim das férias de verão e sua mudança para Winstown, Alyssa queria aproveitar todo o tempo possível ao lado de uma das pessoas que ela mais ama e confia.

Trenton é seu namorado desde os quinze anos, e após a morte dos pais e todas as consequências que isso impusera em sua vida e na de seus irmãos, o cara meio que foi um tipo de porto-seguro que prometeu nunca abandoná-la. Quem os via, provavelmente tinha para si que eles seriam aquele clichê adolescente que passa a vida inteira juntos, e era nisso o que Alyssa acreditava. Seu irmão mais velho dizia para ela que estava tudo bem em se jogar de cabeça nessa relação e que amar nunca é demais, mas ela meio que sempre discordou. Todavia, mesmo com sua personalidade difícil que se tornara ainda mais complexa após a morte dos pais, Trenton era como o amor da sua vida e era a contradição de todas suas ideologias.

Talvez por conta da comodidade e do amor tórrido e intenso que eles compartilharam logo no início deste relacionamento, ela não cogitou a ideia de que um dia isso poderia mudar. Não era como se ela acreditasse em finais felizes, mas talvez uma vez em sua vida algo fosse concreto o suficiente, e além do mais, ela meio que dedicou metade de sua vida a ele, mesmo sendo aconselhada a não fazê-lo.

Mas, qual é, desde quando todos somos racionais quando amamos tanto alguém?

E a soma desses fatores mais outros, fizeram com que ela esquecesse um pouco da realidade, principalmente nos últimos tempos onde ela esteve mais sozinha do que nunca. Seu coração já não acelerava tanto ao ouvir sua voz e os beijos não pareciam mais tão intensos, mas estava errado. Ela tinha que amá-lo, porque ele era a única coisa que havia restado sobre a sua vida. A vida de verdade. A vida antes da morte de seus pais, a vida antes de seu irmão ir embora, a vida onde ela está prestes a ir embora.

Ela tinha que amá-lo, porque ele era a única coisa que ainda fazia-a se encontrar, ter uma ideia distorcida do amor e de si mesma. Mas, para Alyssa, ela tinha que amá-lo porque era assim e sempre fora. Ninguém poderia amá-la da forma que ele amou, e ninguém olharia com tanta ternura para ela um dia.

— Allie?

A garota se virou em um pulo, e a breve expressão de espanto foi substituída por um largo sorriso, que em seguida se desmanchou aos poucos quando ela olhou para o carro estacionado em sua diagonal.

— Vai demorar, Trent? — A garota de cabelos loiros longos indagou, tamborilando as unhas no vidro da janela.

Como se estivesse amarrado por uma corda grossa, o coração inseguro e medroso de Alyssa se contorceu no peito, fazendo com que o ar fosse se escapulindo aos poucos. E só agora ela reparou que não existe ternura alguma no modo com o qual ele a olha, exceto aquele olhar assustado de quem sabe que fez merda.

Amnésia (vol.1)Onde histórias criam vida. Descubra agora