Capítulo 9

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7 anos depois

Quando ela me falou aquilo percebi que o ar condicionado estava mais frio que o normal. Olhei fixamente pros olhos frios daquela que era responsável pela minha carreira. No Brasil não era muito fácil conseguir ser bem reconhecida sendo uma escritora. Respirei fundo fechando os olhos.

-Violet, são pedidos dos seus leitores. - Ela falou cruzando os braços. Maldição. Observei aqueles cabelos pretos e ridiculamente lisos. Ela era a responsável por mim naquela editora gigantesca.

-A culpa é sua! - briguei sem sair do lugar. - Você sabe que eu não sei escrever sobre isso. - falei um pouco mais baixo para que as pessoas do lado de fora não pudessem nos escutar por mais que a porta estivesse fechada.

-Você conseguiu colocar isso no seu último livro, por que não agora?

-O meu último livro era ficção! - falei me aproximando e batendo em sua mesa. Eu tinha aquela liberdade. Faziam quase 5 anos que estávamos juntas naquilo. - Bia, eu não posso...

-Você sabe muito bem que seus livros são ótimos, Violet.... - Ela levantou ambos os braços para dramatizar – mas os leitores amaram quando você colocou um pouco de romance... Amor – ela gritou e eu fiz uma careta – Amor é a essência de tudo! Os Brasileiros amam uma história de amor bem contada. - A observei atenta. Aqueles seus olhos castanhos claros, sua pele clara cheia de sinais e seu sorriso assustador. Sim, aquela era Bia. Uma mulher de 35 anos apaixonada por ler histórias.

-Não adianta você querer escrever sobre um mundo magico com coisas magicas se não tem amor.

-De que amor você está se referindo? - perguntei na tentativa de arranjar um escape.

-Violet- ela falou baixo me fazendo encara-la. - Você sabe do que estou falando. - Quero sentimentos em suas histórias. Quero paixão. Você sempre me surpreende com algo novo. Agora quero uma história de amor. - Ela colocou os cotovelos em cima da mesa e juntou as mãos. Gemi. Sempre que ela fazia isso significava um ponto final em suas decisões.

Cocei meu couro cabeludo respirando fundo. Como eu poderia fazer isso? Na minha última história Bia pediu para que eu colocasse um pequeno romance entre dois personagens de minha história. Eu não deixei claro o romance, mas subentendi que poderia acontecer. E apenas para isso foi um suplício.

Desde que eu tinha e mudado com meus pais para esta nova cidade eu sinceramente achei que tudo fosse melhorar. Mas eu apenas tive problemas ao querer me relacionar com as pessoas. Decidi esquecer isso de fazer amizade e principalmente de achar um namorado. Então notei que tinha um bloqueio ao tentar escrever sobre Amor.

Simplesmente meus textos saiam sem sentimento algum, como se fossem um robô imitando todos os textos que já havia lido. Optei por fazer o convencional para mim mesma. Me dediquei as ficções cientificas, fantasias e suspenses. E meu público gostou muito da forma como eu escrevia. Então eu simplesmente me acomodei.

-Então...- Bia me olhou e eu confesso que tenho muito medo daquele seu olhar – eu já anunciei a sua nova história de amor que vai fazer seus fãs suspirarem. - Ela falou e eu arregalei os olhos. Meu coração começou a acelera. Não acredito que ela tinha realmente feito isso - eu não volto atrás em minhas decisões, Violet. - disse – daqui a 10 meses quero sua história pronta- disse cruzando as pernas – ou...

-Ou? - perguntei ansiosa. Temia o pior.

-terá que achar outra editora para te financiar .- disse.

Cerrei os lábios, nesses 7 anos que se passaram eu nunca tinha recebido um desafio de escrita tão difícil como aquele. É tão difícil uma boa editora aqui no Brasil. Eu não queria desistir dos meus sonhos de continuar escrevendo e ter meus livros publicados. Eu ainda lembrava da minha apresentação de literatura onde vi as pessoas fixarem seu olhar em si mesmas e gostei daquela sensação.

Ao sair da sala dela senti uma vontade de vomitar. Aquela editora era bem concorrida e eu tinha alcançado uma das melhores representantes ali. Todos os outros escritores sempre me olhavam com sangue em seus olhos, esperando a minha saída para ocupar meu lugar. Sem falar que eu era uma das mais jovens entre todos.

Cheguei em casa joguei minhas coisas sobre o sofá, tirei meu casaco, pois o tempo estava começando a esfriar, e fui em direção a cozinha preparar algo para comer. Pensava em algo que pudesse escrever que fosse originar um belo romance. Mordi o lábio inferior ao jogar para o alto todas as minhas ideias.

Fiz um jantar simples, Omelete com bastante ketchup. Me sentei no sofá e abri meu notebook em meu colo.

-Talvez vendo filmes eu me espire- disse entrando na Netflix. - Romance – fazia muito tempo que eu não assistia ou ouvia músicas assim. Eu simplesmente evitei e não sei como eu reagiria a isso. -Ridículo – falei ao ler uma sinopse de um filme. Isso nunca acontecerá com uma pessoa comum- reclamei fechando o notebook. Respirei fundo e o abri novamente.

-São coincidências demais! - briguei com a tv ao ver uma cena do filme – o destino não faz isso. - Ah! Isso é tão meloso! - falei abraçando o travesseiro ao vê-los beijarem-se na chuva- bem cena de filme mesmo... - meu sorriso sarcástico sumiu quando me lembrei do meu primeiro beijo na chuva. Meu corpo inteiro ficou estagiado e meu coração deu alguns pulos. Fechei o notebook na mesma hora e me levantei como se ele tivesse uma doença contagiosa.

Dei meia volta e fui para meu quarto. Eu morava em um apartamento médio em um bairro simples de São Paulo. Quando fiz 20 anos fiz questão de sair de casa e alugar aquele apartamento com a publicação do meu primeiro livro. Meus pais não gostaram da ideia, mas ainda assim eu quis sair de casa. Foi uma marca da minha independência e eu amava essa situação de estar sozinha, mas confesso que as vezes sentia muita falta dos mimos dos meus pais. Quando eles estavam vivos eu tinha onde me refugiar por mais que morássemos em casas separadas. Sempre tinha um lugar onde eu podia deitar e dormir quando me sentia sozinha.

Sentei em minha cama e respirei fundo. Olhei para cima na tentativa de não chorar. Sempre que pensava neles eu queria chorar. Meu Pai morreu 4 anos depois que nos mudamos para cá em um acidente doméstico. Ele caiu do banquinho que sempre subia para colocar as compras no armário. Por causa da morte dele minha mãe ficou amargamente doente. Sua imunidade abaixou muito e ela sempre estava com uma infecção diferente.

Foi a época mais difícil da minha vida. Vê a pessoa que me cuidou perder em questão de meses a vida. Sua tristeza era tão profunda que eu não sabia exatamente como me sentir. Muitas pessoas diziam que era frescura, mas a minha mãe era perdidamente apaixonada pelo meu Pai. Se eu pudesse eu teria dado a minha vida para recuperar a sua alegria, mas isso era impossível. Chegou uma época que eu não sabia ao certo se queria que minha mãe sobrevivesse a mais aquela infecção. E eu me sentia a pior pessoa do mundo. Eu queria que ela estivesse ali, mas eu a queria feliz. Percebi que eu era egoísta. E quando percebi isso minha mãe faleceu. Fazia 2 anos de sua morte.

Nós não tínhamos parentes aqui e em lugar algum. Não chamei muitas pessoas. Apenas anunciei a sua morte por carta a alguns amigos distantes, como a Família Botelho, mas nunca recebi respostas. Não sei explicar ao certo o que me manteve de pé todos esses anos. Acho que me tornei alguém extremamente resistente a grandes decepções, ou eu simplesmente as escondo.

E então eu pego essa dor e as lanço nas profundezas do meu coração

Não, elas não deixam de existir.

Eu não as resolvi.

Eu não chorei.

Apenas escondi e fingi que elas nunca existiram.

E confesso que eu tenho medo.

Que um dia eu tenha, que uma a uma, resolver e chorar por elas.

ERA UMA VEZ PRIMEIRO AMOROnde histórias criam vida. Descubra agora