Capítulo 9 - Sangue na água

9 3 0
                                    


As nuvens de tempestade se dispersaram quando nos aproximamos da ilha do Medo, e os raios de sol estavam batendo nas árvores sem folhas. Protegendo meus olhos com uma das mãos, vi algumas casinhas de veraneio já preparadas para o inverno, e seus minúsculos ancoradouros vazios.

Vou me divertir muito, disse a mim mesma. Deixei o Mac pra trás e vou a uma festa numa mansão, vou ficar acordada a noite toda, fazer novos amigos e talvez me aproximar de Brendan Fear. Vai ser demais.

E, de alguma forma... dessa vez, eu acreditava de verdade.

Randy guiava o barco para contornar a ilha e a casa dos Fear surgia imponente, em meio às árvores, como uma torre negra. A casa de Brendan não era uma casinha de verão. Mais parecia um castelo. Tinha pelo menos três andares, era revestida de pedras pretas que reluziam sob a luz do sol, tinha janelas altas, todas escuras, um telhado vermelho pontiagudo com chaminés apontando acima e varandas que despontavam em direção à vegetação.

Estou realmente entrando num mundo diferente, pensei, olhando o reflexo daquela mansão inacreditável na água.

— Casinha bonitinha — Patti brincou, tirando uma foto com o celular. — Será que tem espaço suficiente para uma festa?

— Morei em Shadyside minha vida inteira, mas nunca tinha visto este lugar — comentei. Eu sabia que os Fear eram ricos. Mas nunca imaginei...

O barco balançou na água, desacelerando ao nos aproximarmos do ancoradouro de madeira. Virei-me para Eric.

— Você e o Brendan vêm muito aqui, não é?

Ele assentiu.

— É. Acredite se quiser, este castelo gigantesco é a casa de veraneio do Brendan. Eles a fecharam em setembro. Brendan e eu temos vindo muito. É muito entediante. — Entediante?

— Não tem internet. Nem wi-fi. Nem sinal no telefone. É tipo... bem-vindo ao tempo das cavernas. Dei uma risada.

— Isso pode ser uma coisa boa.

Uma rajada de vento levantou o cabelo dele.

— É um bom lugar pra fazer um filme de terror — ele comentou, afastando o tufo rebelde com uma das mãos. — Salas grandes, cheias de móveis pesados, antigos. Corredores longos e escuros, virando pra cá e pra lá. É pra ser uma casa de veraneio, mas o lugar todo é sombrio e depressivo.

Ele apontou.

— Está vendo aquelas janelas imensas? Quer dizer, mesmo quando está fazendo sol, a luz parece não entrar.

— Estranho.

Ele arregalou os olhos.

— Há sombras compridas e sinistras por todo lado. E elas parecem se mexer sozinhas. E sempre ouço uivos horrendos lá do sótão.

Dei outra risada.

— Agora você só está tentando me assustar... não está?

Ele sorriu.

— O que você acha?

O barco bateu com força contra o cais de madeira. Alguns garotos gritaram, surpresos. Eric fingiu cair de seu lugar e aterrissou de bunda no deque. Ele realmente parece um garoto de cinco anos. Até que é bonitinho, mas é um bebezão. E sempre tem que ser o centro das atenções.

Kerry o ajudou a ficar de pé. Randy saltou no cais e amarrou o catamarã nas estacas. Nós nos preparamos para descer. A névoa do lago deixava meu rosto frio e úmido. Respirei fundo e inalei o aroma delicioso das árvores.

— Vejo vocês depois — Randy se despediu, ajudando April a descer do barco. — Antonio e Miguel vão levá-los até a casa.

Antonio era um jovem alto e esguio, com olhos escuros e miúdos, um nariz afilado e um diamante reluzente numa das narinas. Tinha cabelo preto puxado para trás, preso num rabo de cavalo que batia nas costas.

Miguel era mais velho, mais baixo e atarracado, um negro com a testa larga e o cabelo já bem grisalho. Ambos estavam de uniforme: camisa preta social, gravata preta e calça preta. Ambos tinham crachás nos bolsos das camisas.

— Eles devem ser novos — Eric sussurrou em meu ouvido. — Nunca vi nenhum dos dois. Os Fear têm muita gente que trabalha pra eles.

— Mas a casa estava fechada, certo? — confirmei. — Eles acabaram de abrir pra a festa do Brendan, hoje.

Eric assentiu. Ele deu uma corrida até Geena e passou o braço ao redor dela.

— Eu vi que você estava me olhando, Geena. Não consegue tirar os olhos de mim, não é? Talvez você e eu possamos dar uma fugida depois. Talvez dar uma caminhada para desbravar a natureza da ilha? Você curte a natureza como eu?

Ela riu.

— Quem sabe, Eric.

— Você quer dizer que isso é um sim?

Geena sacudiu a cabeça.

— Quem sabe é não.

— Então, é sim — concluiu Eric.

— Não.

— Vou encarar isso como um sim.

O céu escureceu novamente e o ar ficou mais fresco. Atrás de nós, o barco se desestabilizou com as fortes ondas que quebravam contra o pequeno cais.

— Certo, pessoal. Vamos até a casa antes que a chuva chegue — gritou Antonio. Ele tinha um sotaque estrangeiro. Italiano, eu acho. Ele apontou um caminho de terra que levava para uma grama alta, distante da margem. — É uma pequena caminhada pela mata. Cuidem para que se mantenham no caminho. Há muitas cobras.

— Que tipo de cobra? — perguntou Patti.

— Do tipo que vocês não vão querer conhecer — respondeu Antonio.

Todos nós seguimos em direção à trilha. Parei quando ouvi um grito agudo.

Virei-me a tempo de ver Randy cair. Um pé estava preso na corda de amarrar o barco, e ele gritou novamente ao tropeçar para trás e cambalear para fora do deque. Perdi o fôlego quando sua cabeça bateu em um dos tocos. O baque seco foi horrível de ouvir.

Seu quepe branco caiu no cais, virado para cima. Com os braços imóveis, Randy caiu na água do lago.

Gritando, chocados, nós corremos até o ancoradouro. An-tonio e Miguel já estavam de joelhos olhando a água. Eles tentaram acenar para que voltássemos.

— Ele vai ficar bem — Antonio gritou. — É um bom nadador.

— Todos para trás — ordenou Miguel. — Voltem.

Ninguém se mexeu. Meu coração estava disparado. Eu me esforçava para respirar.

Então, soltei um grito sufocado quando um círculo vermelho-vivo surgiu na água escura. A mancha vermelha se espalhou rapidamente com as ondas.

— Sangue! É sangue! — Geena gritou.

— Onde está ele? Por que não sobe à superfície? — Delia gritou.

Eu estava na expectativa, o tempo todo prendendo a respiração, e me forcei a respirar. Minhas pernas de repente pareceram fracas. Nenhum sinal dele.

Antonio começou a acenar freneticamente.

— Subam até a casa! Todos vocês! Miguel, leve-os até a casa. Vou cuidar disso. Todos vocês, vão!

— Ele tirou os sapatos e começou a se despir.

— Ele vai ficar bem. Randy vai ficar bem — Miguel ficava repetindo. Ele começou a nos tirar do cais. — Venha, pessoal. Antonio vai tirá-lo de lá. Não se preocupem. Mesmo. Não se preocupem.

Não tive escolha. Tive de seguir os outros pelo caminho que levava até a casa. Mas, assim que saí do cais, me virei para trás. E vi a água muito vermelha, toda tingida, o sangue se espalhando nas ondas e ao redor do ancoradouro. E nem sinal de Randy... só o sangue dele minando lá do fundo.

J O G O S   M A C A B R O SOnde histórias criam vida. Descubra agora