Capítulo 40 - "Ninguém vai me culpar."

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De joelhos na lama, fechei os olhos e fiquei esperando a dor esmagadora.

Agora, silêncio. O silêncio da morte.

A dor não veio. Será que eu já estava inconsciente?

Não. Abri os olhos e vi Garland em pé diante de mim, com o rifle abaixado ao lado do corpo.

— Hã? — Eu me virei, confusa. Levei alguns segundos para ver o que ele tinha feito. Ele tinha dado um monte de tiros para furar a canoa, para ter certeza de que ela jamais flutuaria.

Dei um longo suspiro. Meus ombros caíram. Eu não estava morta, mas talvez logo estivesse. Os olhos de Garland estavam enlouquecidos, me encarando com muita intensidade, como raios laser que ele quisesse usar para me queimar.

— Eu pedi educadamente — ele murmurou, passando a mão na cabeça careca. — Por que não me ouviu?

— Por que deveria? — devolvi. — Você estava dizendo a verdade? Eu acho que não.

Ele me agarrou pelo rabo de cavalo e me puxou para que eu ficasse de pé. As pernas do meu jeans estavam encharcadas e sujas de terra, mas eu nem me dei ao trabalho de tentar limpar.

— Você estava dizendo a verdade? — repeti. — O Brendan está bem? Está? Você vai matar o Brendan? Vai me matar?

Ele cuspiu no chão.

— O Brendan está bem. Mas ficou complicado, não? Muito complicado. — Ele me deu um safanão.

Eu podia sentir sua raiva. — Vamos. Está frio aqui.

Nós caminhamos pela floresta em silêncio, seguindo até a casa. Ele se mantinha dois ou três passos atrás de mim. Para o caso de eu sair correndo, eu acho.

Se eu realmente tentasse fugir, será que ele atiraria em mim?

Eu escutava seus murmúrios, e percebi que a tensão estava pesando sobre ele. Seus olhos estavam ensandecidos. Agora ele estava xingando, obviamente agitado.

Está perdendo a cabeça, perdendo totalmente o controle. Se ele ficar completamente maluco pode não ser bom para mim e para o Brendan...

Senti um nó na garganta diante dessa ideia. Era como se eu não pudesse respirar.

O caminho de terra fazia uma curva, depois começava a inclinação da colina até a casa dos Fear. As nuvens de chuva tinham passado e o céu noturno se iluminou com um pontilhado de estrelas brancas. Três galhos nus reluziam no alto e lançavam sombras longas pelo caminho.

Avistei outra curva adiante, por entre duas árvores de troncos grossos. Meu coração começou a bater forte enquanto eu decidia se valia a pena tentar fugir. Talvez eu pudesse contornar aquelas árvores e sumir na floresta antes que Garland conseguisse erguer o seu rifle.

Talvez ele não atirasse. Talvez.

Não pensei no que eu faria depois de me livrar dele. Só sabia que minha vida dependia da fuga. Ao chegarmos a uma curva acentuada, minha pele começou a pinicar. Meu corpo inteiro começou a tremer. Respirei fundo e prendi o ar.

Contraí minhas pernas e me preparei para correr. Os troncos largos, forrados de musgo, eram como vultos sobre a minha cabeça.

Vou contar até três e correr. Vou girar o corpo, me impulsionar e avançar na escuridão atrás de um tronco.

Até que parecia um plano.

Um... dois...

Mas, epa. Não segui o plano. Meu corpo não fez o que o meu cérebro tinha decidido.

Com um grito rouco que pareceu mais animal, eu me virei. Meu grito assustou Garland e ele parou, boquiaberto.

Gritei de novo e dei um salto à frente. Sem pensar, estendi as duas mãos e agarrei o cano do rifle. Sacudi para a esquerda, depois para a direita. Ele lutava para não perder a pegada no cabo.

Mas eu arranquei o rifle dele facilmente.

A arma caiu das minhas mãos e bateu na terra. Nós dois voamos no chão para pegá-la.

Eu peguei primeiro. Passei a mão em volta do cabo e o ergui à minha frente.

Uma expressão de medo tomou o rosto de Garland. Seus olhos azuis se arregalaram quando ele se levantou e deu alguns passos para trás.

Ergui o rifle, apoiei-o no meu ombro e mirei o cano para Garland. Eu nunca tinha atirado com um rifle na minha vida, mas ele não sabia disso.

Ele ergueu as duas mãos, como em rendição. Mas ainda disse:

— Devolva isso, Rachel. Dê pra mim.

Não respondi. Gesticulei com o rifle para que ele mantivesse distância.

Lentamente, ele estendeu as mãos para pegar a arma.

— Você não vai usar isso. Sabe que não vai. Devolva pra mim, Rachel. Não me faça brigar por isso. Fiquei olhando para ele, tentando não deixar que ele visse minhas mãos trêmulas.

— Não me faça lutar com você. Você vai se arrepender.

— Eu... eu sei usar isto — falei. — Pra trás. Estou avisando.

Ele hesitou, por um momento, de olho no rifle. Então, pulou em cima de mim.

Apertei o gatilho e a arma explodiu contra o meu corpo, dando um tranco forte que me fez cambalear para trás.

Garland fez um som engasgado e levou a mão ao pescoço. Sangue vivo escorria em sua mão.

Atirei de novo e vi a mancha escura se espalhar rapidamente pela camisa dele.

O homem gemeu e caiu de joelhos. O sangue esguichava como uma fonte de seu pescoço e de seu peito. Seu corpo deu espasmos violentos, depois ficou imóvel. Ele caiu de costas e ficou deitado na poça de sangue. Seus olhos azuis permaneceram vidrados, olhando o céu que clareava. Ele não se mexia.

— Isso! — Dei um soco no ar. — Isso! Um já caiu. Falta mais um. Agora vou matar seu companheiro. Por que não? Ninguém vai me culpar.

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