Capítulo 14 - Pendurado

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Caí de joelhos e cobri a cabeça com os dois braços. Dava para sentir os bafejos das asas à medida que eles voavam acima de mim.

Um morcego bateu no meu ombro e eu gritei. Ele quicou e bateu na parede. Então, voltou a voar.

Pelo menos uma dúzia de morcegos passou voando. Não esperei que eles voltassem. Fiquei de pé num salto e saí correndo, mas a toda hora meus sapatos se prendiam no carpete rasgado. Eu seguia pela escuridão com o coração disparado, passando por um número infinito de quartos escuros.

— Brendan? Ei, Brendan? — Eu tentava encontrá-lo.

Dava para ouvir o barulho que os morcegos faziam atrás de mim. Será que eles estavam se preparando para outro rasante?

Cheguei à parede dos fundos e parei, me esforçando para recuperar o fôlego. Onde estava a escada para descer? Não deveria haver uma escada aqui?

Recostei na parede e esperei que meu coração parasse de pular no meu peito. Prendi a respiração e me recompus. Sim. Contive meu pânico.

Rachel, respire fundo e acalme-se, eu dizia a mim mesma. Você consegue voltar ao elevador. E daí que está escuro aqui em cima? Qual é o grande problema da escuridão? Ignore os morcegos. Caminhe de volta ao elevador e vá lá para baixo. Nada demais.

Antes de Beth ir para a faculdade, todo fim de semana ela e eu assistíamos aos filmes de terror mais horrendos que conseguíssemos encontrar na televisão. Era Beth que sempre ficava assustada.

Não eu. Não eu. Eu não sou a medrosa.

Do nada, me lembrei do dia em que nossos pais nos levaram ao zoológico de Waynesville. É engraçado como as coisas vêm à cabeça; você não tem controle sobre suas lembranças.

Nós estávamos na Casa da Escuridão, uma edificação com cubículos altos envidraçados onde ficavam os animais noturnos. Beth e eu pressionamos o rosto junto ao vidro para enxergarmos os morcegos num dos cubículos. De repente, os animais ficaram malucos, voando em todas as direções. Tinha morcego batendo contra o vidro, batendo as asas freneticamente, colidindo com a jaula com seus corpos de ratos, batendo com força, repetidamente, bem junto aos nossos rostos como se estivessem tentando nos pegar.

Beth começou a gritar. Ela cobriu os olhos e gritou. Eu tive que fazê-la parar. Precisei acalmá-la. Segurei seus ombros e a levei para longe da jaula dos morcegos.

Mais tarde, ela disse que estava fingindo estar num filme de terror, como os que víamos sempre. Mas eu sabia a verdade. Sabia que ela tinha tido um ataque e perdido a cabeça. Totalmente. E eu entendi que eu era a adulta, pelo menos naquela situação.

Eu sou a adulta agora. Posso lidar com qualquer coisa.

Levei mais alguns segundos para me recompor. Eu queria gritar chamando Brendan novamente, mas temia que meus gritos alarmassem os morcegos, que fizessem com que eles viessem dar rasantes sobre mim.

Olhei a escuridão da outra ponta do corredor. Agora não dava para ouvi-los. Eles estavam em silêncio. Mas eu conseguia ver os olhinhos vermelhos me encarando.

O elevador parecia estar a um quilômetro de distância. Resolvi que, se eu andasse devagar, com cuidado e silenciosamente, talvez não perturbasse os morcegos. Eu me forcei a me afastar da parede e comecei a andar, quase na ponta dos pés, tentando não fazer som algum.

Mas as tábuas do piso rangiam embaixo do carpete fino, e os olhinhos vermelhos ficaram alertas. Os chiados agudos recomeçaram, como se os morcegos estivessem tocando o alarme.

Parei e avistei a janela escura e redonda do elevador a apenas alguns metros. Se eu conseguisse pular ali dentro antes que os morcegos voltassem a atacar...

Morcegos não atacam pessoas. Foi isso que aprendemos em nossa aula de ciências no ano passado. Morcegos não atacam pessoas, a menos que sejam provocados.

O que isso significava exatamente?

Acho que eu os estava provocando por estar no corredor. Invadindo seu espaço.

Dei um passo. Depois outro. Mantive os olhos na porta do elevador. E me forcei a não olhar para os morcegos.

Parei na frente do elevador e a janela estava escura. Estreitei os olhos para dentro da escuridão em busca do botão na parede. Minha mão tremia ao apertá-lo.

Achei que o elevador talvez ainda estivesse naquele andar e a porta fosse se abrir para mim. Mas, não. Nada aconteceu.

Eu tentava ouvir o barulho do motor, mas não conseguia ouvir nada por causa do chiado agudo e dos assovios dos morcegos. Continuei apertando o botão.

Vamos. Vamos!

Pressionei o rosto no vidro da janela e me esforcei para escutar algum som. Não, nada estava acontecendo. Será que estava emperrado em outro andar? Será que o elevador estava desligado?

Os chiados dos morcegos foram ficando mais agudos. Eles ecoavam em meus ouvidos como uma dúzia de sirenes de ambulâncias, todas ao mesmo tempo. Novamente ouvi as batidas das asas.

Minha nuca pinicou. Imaginei suas garrinhas penduradas em mim, cravadas em minha pele. Imaginei a mordida afiada de seus dentinhos pontiagudos.

— Não! — Bati o punho na porta do elevador. — Onde está você? — gritei. Eu estava perdendo a cabeça, mas não me importava.

Eu me virei, ofegante. Certo. Nada de elevador. Isso significava que eu precisava encontrar a escada. Tinha de haver uma escada que levava ao segundo andar.

Seguindo para longe dos morcegos, disparei à frente, em direção à outra ponta do corredor. Os portais escuros passavam por mim, num borrão.

Parei quando vi um quadrado de luz fraca refletindo no carpete, vindo de uma porta aberta. Será que tinha alguém ali dentro? Será que Brendan estava ali?

— Brendan?

Comecei a correr. Pisei no quadrado de luz. Entrei pela porta. Estreitei os olhos na luz acinzentada como uma neblina. E berrei.

Dei um berro quando vi o corpo. O corpo de um garoto. Um garoto de suéter preto e jeans cinza. Pendurado. Com o pescoço torto, a cabeça num ângulo horrendo. O garoto pendurado numa corda que pendia de uma viga no alto do teto.

— Ah, não. Ah, não.

O corpo balançava devagar... e eu olhava o rosto pálido de Brendan, seus olhos abertos, paralisados. Brendan pendurado no teto.

Tentei desviar, mas meu olhar parou em algo no chão. Uma folha de papel branco, sob os sapatos de Brendan. Papel branco com algo escrito. Um bilhete?

Cambaleei à frente, quase contra minha vontade, e cheguei perto o bastante para ler cuidadosamente as palavras impressas no papel: Alguém está a fim de jogar forca?

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