Capítulo 35

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"Loco?"

"Lizzie, até que enfim!" uma risada. "É difícil falar com você, hein?"

"Na verdade, não, foi só uma coincidência"

"Mas ainda bem que consegui agora"

"O que foi, Loco? Seus filhos nasceram?"

"Liz, pelo amor de Deus, eu não tô preparado ainda" ele ri de novo. "Ainda não é isso"

"Então...", apresso. "Desembucha logo"

§§§§§

— E então? — Clara está à minha frente, ansiosa. — Fala, Liz! — Ela bate uma palma. — O que era?

Mordo o lábio inferior com força, tentando organizar os pensamentos.

Marcus está ao lado de Clara, e toma seu lugar bem à minha frente. Seus olhos estão brilhantes, e eu desconfio de que ele sabe de algo. Junta as mãos em frente aos lábios e pergunta:

— Ainda dá tempo?

— Não sei, vou saber só amanhã.

— Vocês dois estão com planos secretos? Fala logo, Marcus, o que foi?

Mimi aparece na sala, saltitante, e para assim que vê a cena: eu com o telefone ainda na mão, Marcus e Clara me encarando como se eu estivesse prestes a lhe dar uma notícia bombástica.

— Loco me falou que o Bife's... quer dizer, a nova área, vai ser só de confeitaria.

— E... — Mimi coça a cabeça.

— E me disse que conseguiu uma entrevista para mim. Amanhã de manhã. As entrevistas eram só até hoje, mas ele conseguiu de alguma forma.

— O irmão dele trabalha lá há uns meses — Marcus explica. Eu deixo meu olhar cair sobre ele.

— Foi você, não foi?

Marc aperta os olhos e abaixa a cabeça, como uma criança com medo de assumir que quebrou o vaso de cristal da avó.

— O que isso quer dizer, Liz?! Você vai ficar aqui e trabalhar no Bife's?

— Não sei. — Coloco o telefone no gancho, finalmente. — Vou lá só fazer uma entrevista mesmo. Não sei de nada, gente. Tô tão perdida quanto vocês. Marcus, — coço a garganta — posso falar com você?

— Hum... eu vou subir. Acho que ouvi Lavínia chorando — diz Clara, e eu tenho certeza que Lavínia nem está lá em cima.

— Eu vou com você, Clarice. Vai que tem alguma coisa que eu possa... hum... ajudar?!

O sorriso de Mimi para mim é o mais forçado possível, mas ela logo o desfaz e sobe as escadas de dois em dois degraus, como Clara fez antes.

Marcus desfaz o nó de suas mãos e se aproxima dois passos de mim. Ele segura e aperta meus ombros, sinto cócegas, mas não desvio. Um sorrisinho aparece em meu rosto, que eu faço desaparecer ao raspar a garganta.

— Marcus... eu... — gaguejo. Ele me interrompe:

— Desculpa se eu me intrometi numa coisa tão importante... falei com Loco ontem, quando a gente chegou, porque eu fiquei sabendo desse negócio pela internet. Sei lá, Liz, eu achei que seria bom tentar.

— É... bom. A gente não tinha conversado sobre isso ainda.

Marc me guia até sentarmos no sofá, lado a lado. Viro-me para ficar de frente para ele na mesma hora que ele ia se virando para mim, e nossos joelhos se chocam. Subo minhas pernas para cima do sofá, dobrando-as debaixo do corpo.

— Não, a gente não tinha falado sobre isso ainda — ele repete.

— Eu não sei se vou conseguir uma vaga para trabalhar lá, e... é uma mudança muito repentina.

— Como foi anos atrás.

— Sim, mas eu não tinha uma vida inteira formada, anos atrás. Eu tive oportunidade para começar tudo do zero. Dez anos depois, é mais difícil.

— É só uma chance, Liz. Uma chance, não achei que você iria deixar passar.

— Eu não vou — digo, e respiro fundo. Seguro a mão de Marc, que estava por cima da minha, apoiada num joelho, e deixo todo o ar sair dos meus pulmões. — Eu não vou — repito. Abro um sorriso ao ouvir as palavras. O significado. — Não vou desperdiçar essa chance. Mas...

— Sem mas... — o tom de Marc é sofrido.

— Tem que ter o mas...

— Tá. Enfia a faca logo, sem dó.

Sorrio e lhe dou um tapa na coxa.

— Se eu não conseguir o emprego lá... — umedeço os lábios, de repente ressecados — eu vou voltar para a Capital em menos de uma semana. As coisas voltam à loucura lá. E aí?

— E aí... a gente dá um jeito. A gente não tem mais dezesseis anos, Liz. A gente dá um jeito.

— Eu tenho que voltar, caso não dê certo. Não posso abandonar meu emprego sem ter outro me esperando.

— Eu sei. Mas você vai conseguir. — Ele aperta minha mão, e inclina o corpo para a frente, sua boca encontrando a minha facilmente. — Eu lembro de uma coisa que você me disse, antes de ir embora...

— Hum? — resmungo, nossos lábios ainda próximos demais. Joguei meus braços por cima dos ombros de Marc, dificultando seu distanciamento. 

— Você disse que, mesmo sem nunca ter ido para outro lugar, sentia que Valentina era o seu lugar. O lugar onde você pertence.

Arranho minhas unhas de leve na pele logo abaixo de sua nuca, e sinto o arrepio que causo. Marc estremece um pouquinho, e eu sorrio, de olhos fechados.

— Eu sei disso.

— Você ainda sente?

— Sabe o que eu disse também? — Mudo a direção da conversa.

— O quê?

— Que o que faz um lugar ser incrível são as pessoas.

— Eu lembro.

Ficamos calados por uns segundos, ainda abraçados, ainda com os rostos colados. Abro os olhos para ver Marcus me olhando, pensativo. Ele diz, sem que eu fale nada:

— Vai dar tudo certo, Liz. Mesmo que nada dê certo, vai dar tudo certo.

Eu rio, chacoalhando os ombros, os meus e os dele.

— Não faz sentido.

— Faz. — Ele me beija. — Mesmo que nada dê certo, vai ficar tudo bem. Isso que eu quis dizer.

— Eu sei. — Encosto minha testa na sua. — Eu sei.

Liz e a Lista do NuncaOnde histórias criam vida. Descubra agora