Capítulo 2

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É sempre uma sensação esquisita, reencontrar pessoas do passado.

Mimi me falou sobre Marcus, e eu já estava esperando vê-lo, preparando o coração... mas a primeira pessoa que aparece à minha frente é o outro irmão de Clarice, Gustavo. O irmão mais velho, que era a paixão de todas as meninas mais novas, aquele garoto inalcançável, que já estava indo para a faculdade quando nós ainda estávamos no ensino fundamental... fazia todo mundo suspira. Menos eu.

Gustavo está parado em frente à casa de Clara quando estaciono o carro, e ele vem logo ao meu encontro quando desço. Guga é todo sorrisos, e me abraça com ternura ao me ver.

— Liz! Quanto tempo, cara... quase não reconheci você... onde está o cabelo de cobre? — Ele aponta o desastre na minha cabeça.

— Acho que virou cabelo de ouro... — respondo com um sorriso sem graça, e ele bagunça alguns fios da minha franja.

— Ficou bonita — elogia.

Agradeço e saio de sua frente, bem a tempo de Mimi agarrá-lo num abraço dez vezes mais caloroso e apertado que o meu. Balanço a cabeça de um lado para o outro, sorrindo—quase num déjà-vu—e sigo para dentro da casa, passando primeiro pelo jardim à frente. O pé de carambolas do lado direito, a grama molhada do lado esquerdo... há algo diferente, no entanto, mas não consigo identificar logo de cara.

— Ei, Liz! — Jonathan aparece ao meu lado quase como um fantasma, segurando uma pá na mão, a roupa suja de terra. — Fecha o portão, se não o Zeus entra.

— Zeus? — pergunto, enquanto volto para fazer o que ele pede.

— O cachorro da vizinha, Rebecca. Se ele vir um portão aberto, sai entrando. Ele é maravilhoso, mas Becca sempre fica louca procurando. E ele é gigante, então Lavínia ainda tem medo.

— Hã, tá certo — aceito. — O que você está fazendo aí? — questiono, o cenho franzido.

— Plantando uma horta aqui do lado da casa, com Lavínia. Ela nem sabe o que é isso ainda, mas é divertido. Vem ver. — Ele me chama, e eu largo a mala diante da porta e vou.

Eu era fascinada por essa casa quando era criança, porque era a única das minhas amigas que tinha entrada pelos quatro lados, já que a casa dispõe de um terreno grande e foi construída bem ao meio. Quando Clara, Mimi e eu brincávamos de pique-esconde, alguém sempre enlouquecia as outras rodando em círculos pela casa.

Lavínia está agachada ao lado de uns galhos pequenos de planta, e suas mãozinhas gorduchas estão sujas de terra, assim como o rosto e toda a roupa. Ela está descalça, usando um macacão de tecido imitando jeans. Parece uma pequena camponesa. Sorrio para ela que, ao me ver, acena; seus olhinhos quase fechados devido à claridade do sol de uma da tarde.

— Plantamos cenoura, batata, abóbora e coentro semana passada. Hoje estamos plantando beterraba, brócolis e feijão. Não é, filha? — Ele apoia ambas as mãos nos quadris enquanto pergunta à criança.

— Jão — é tudo o que Lavínia diz, assentindo e apontando animada.

— É, daqui uns anos ela vai saber dizer o que tem aqui. — Ele vira-se para mim. — Mais tarde vou plantar umas mudas de ipê amarelo no quintal, e um rosa lá na frente. Se quiser ser minha ajudante...

— Vamos ver... tô cansada da viagem... — jogo.

— Tudo bem, tudo bem. — Ele suspira e limpa a testa com a costa da mão esquerda. — Eu já tenho uma ótima ajudante aqui.

Lavínia está catando seixos no canto da parede, alheia a qualquer conversa.

— É... enfim — Jonathan desiste. — Vem, Clara está lá dentro.

Liz e a Lista do NuncaOnde histórias criam vida. Descubra agora