— Alguém me lembra aqui... por que a gente espalhou as coisas pela casa inteira, como se fôssemos passar mais de alguns dias aqui? — Marcus pergunta, catando pequenas coisas pela sala.
— Porque somos jovens e inconsequentes.
— Essa é uma boa resposta pra muita coisa... — Ele levanta as sobrancelhas e sorri pra mim.
— Eu sou responsável pela cozinha, mas o resto eu não tenho culpa nenhuma — assumo. Quer dizer, mais ou menos.
— E é justamente a pior parte, Liz, muito obrigada — Clara empurra para mim uma sacola cheia de vasilhas de plástico recheadas de comida. Eu nem sei mais o que tem ali são sobras do natal e tudo o que veio antes.
Engraçado, bebidas alcoólicas não sobraram.
— Já estamos indo embora — Mimi está dizendo, apontando o celular para o rosto. — Eu queria que vocês pudessem vir, puxa!
Espio por cima de seu ombro e vejo um rosto na tela. Um sorriso largo, o maxilar marcado. A mesma pessoa com quem ela estava falando na noite de natal, desejando tudo de bom e feliz ano novo e a gente se vê assim que eu voltar pra a cidade, e tal.
— Oi, Liz, pode aparecer — de repente Mimi coloca o celular bem em frente ao meu rosto, e eu me espanto, sem saber o que fazer de imediato. Aceno com um sorrisinho amarelo no rosto.
— Oi, Liz — diz o rapaz na chamada de vídeo, se mexendo um pouco lentamente e a voz chegando a mim depois de eu ver seus lábios se movendo.
— Oi... hã...
— Esse é Michel, um amigo de... sei lá. — Ela franze o cenho e cola o rosto ao meu — Onde a gente se conheceu mesmo?
— Vocês duas, não vão ajudar com mais nada? Só vão ficar aí no telefone conversando com um e com outro... — Gustavo passa pela sala como um raio, carregando duas mochilas e resmungando.
— Ah, Gustavo, se você não tem amigos que se importam, problema seu — provoca Mimi, ousando até colocar uma ponta da língua para fora no final da frase.
— Eu tenho — ele para na porta — e todos estão aqui.
Mimi abana a mão no ar, dispensando-o.
— Tá, tá. Você não está ocupado?
Guga resmunga qualquer outra coisa, mas não entendo. Volto a atenção para Michel, no telefone.
— A gente se conheceu numa festa de aniversário, não lembro se era de Elias ou de Bia. Talvez dos dois... ou de Vitória?
— Vitória Barros ou Vitória Leite, de Esmeralda?
Ele ri, tremendo a imagem.
— Eu não sei.
— Hum... eu vou voltar — digo, me saindo. — Tenho umas coisas para arrumar. Foi bom falar com você, Mi...
— ...chel. Michel — murmura Mimi.
— Michel! Michel, Miranda... Mimi. Interessante — aponto. Mimi me olha como se eu tivesse plantado duas melancias em cada orelha. — Tchau! — aceno, alegre, e continuo a arrumação.
Miranda só desligou o telefone minutos depois, e deu a desculpa de que estava juntando suas roupas no quarto enquanto falava com Michel, e depois com Vitória (Barros, e não, não foi na festa dela que eles se conheceram).
Todas as mochilas e sacolas prontas e arrumadas na varanda, colocamos tudo nas costas e nos preparamos com alongamentos e pulinhos curtos, para subir a trilha que nos levará de volta à civilização, onde estão nossos veículos.
Paro ao lado do carro, esperando para encher a mala com nossas coisas, quando Mimi diz, de sobrancelhas baixas:
— Não lembro de você no carro na vinda...
— É porque eu vim com Caio... não faz tanto tempo assim, Mimi — toco em sua testa duas vezes. — Acorda.
— Ela 'tá alienada nesse telefone aí desde que acordou — acusa Gustavo, passando na nossa frente para guardar a mala lilás com as coisas de Lavínia.
Mimi revira os olhos e o ignora.
— Liz!
Levanto o olhar e vejo Marcus acenando para mim, me chamando para perto. Clara e John estavam junto, mas saíram quando me aproximei.
— O que está acontecendo? Que conspiração é essa agora?
Ele ri, tocando meu ombro. Marc aperta os dedos contra minha pele e eu pulo para desviar, rindo. Ele sabe que sinto cócegas nos lugares mais improváveis.
— Eu 'tava pensando, e falei com todo mundo... e bem que você poderia voltar de moto comigo.
— Mas você não tem moto.
Marcus toca minha testa três vezes, quase exatamente como fiz com Mimi agora pouco.
— Pensa, Liz.
Fito seus olhos enquanto ele parece me mandar dicas do que está tentando dizer, e eu entendo (um pouco tarde, confesso). Estalo os dedos e bato o pé no chão.
— Entendi! — Sorrio sem graça. — Você falou com Guga?
Marc assente. Sua mão percorre meu braço até chegar na minha.
— Você aceita voltar comigo?
Seus lábios repuxados para o lado me dão a sensação de que ele quer dizer muito mais do que apenas "voltar para a cidade". E eu assinto, para o que quer que ele tenha pretendido dizer.
— Sim, mil vezes sim — enceno, dramaticamente.
Abraço seu corpo por trás e sinto o impulso quando ele dá partida na moto. Me agarro firme, para nunca perder essa sensação de segurança.
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Assim que pisei os pés em Valentina novamente, eu precisava fazer uma coisa. Uma coisinha que vinha me incomodando há muito tempo.
— Mara!? — chamo, adentrando o salão.
— Meu amor! — A senhora vira-se, já de braços abertos e o sorriso expandindo-se no rosto. Ela está maquiada, quase exageradamente, exatamente como lembro. O batom vermelho, o lápis delineando os olhos, a sobrancelha preenchida. Tudo está do mesmo jeito. E o cabelo, é claro: impecável, loiro e brilhoso.
Ao contrário do meu.
— Deus do céu, minha querida, o que você fez nessa cabecinha?
Toco as pontinhas do cabelo, envergonhada.
— Sua mãe já viu isso?
— Já, Mara. E eu preciso que ela me ame de novo.
Ela solta uma gargalhada gostosa e exibe seu dente de ouro num dos dentes caninos. O seu cheiro é familiar, tudo nela parece com minha infância, quando vinha cortar o cabelo aqui sem falta a cada seis meses.
— Vamos dar um jeito nisso. Num instante só você vai sair daqui maravilhosa, como sempre foi. O loiro caiu bem em você, meu amor, mas simplesmente não se coloca em comparação ao seu tom natural.
— Eu sei — digo, sentando-me à cadeira em frente ao espelho que se espalha pela parede inteira. — Foi uma péssima decisão, mas já voltei à consciência.
— Bom, bom. — Ela solta meus cabelos e começa a avalia-los com as mãos. Fecho os olhos, suspiro profundamente e me permito relaxar nas mãos carinhosas de Mara.
Finalmente.
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Adeus, cabelos loiros! liz finalmente colocando a mão na consciência amém hahahah
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Liz e a Lista do Nunca
Ficção AdolescenteTrês amigas, três listas e várias promessas quebradas. Assim começa a história de Liz, Mimi e Clarice, três amigas de infância que, numa noite de "festa do pijama" decidiram criar uma lista apontando coisas que NUNCA farão. Em suas cabeças de pré-a...