— Bom dia — diz Marcus, dentro de um bocejo que ele logo se livra com um chacoalhar de cabeça. — E feliz ano novo!
— Bom dia — eu sorrio, esticando todo o corpo para cima — até quando você vai continuar me desejando feliz ano novo?
— Até que deixe de ser um ano novo. Não sei, março, talvez?!
Dou uma risadinha curta e tiro a jarra de café da cafeteira para preparar a bebida, mas vejo que já está cheia.
— Você fez café — constato.
— Ou eu ou os duendes que resolveram nos ajudar hoje, e prepararam tudo de madrugada.
— Tudo o quê?
É então que olho para trás, para a sala, e vejo que noventa por cento das minhas coisas já estão nas caixas. Ontem estava tudo espalhado pela casa, não como se eu fosse me mudar em menos de vinte e quatro horas, mas como se eu fosse somente uma pessoa bagunçada e desleixada.
Peguei no sono enquanto tentava separar as roupas, no quarto, para irem para as caixas certas, com etiquetas e tudo o mais. Aparentemente eu não consigo ser uma pessoa tão organizada assim. A não ser na cozinha — esta sim está organizada desde muito tempo.
— Você não dormiu? — pergunto, despejando o líquido escuro na minha xícara do Pato Donald. É a única que está para fora, desde que empacotei tudo no cômodo. E a xícara de Marc, também, mas é uma sem graça que veio numa promoção da marca de café. Ele não se importa com xícaras decoradas, e eu ainda estou me acostumando com a ideia de dividir um apartamento com ele dessa forma.
— Só um pouquinho. Fiquei assistindo uns filmes enquanto empacotava tudo.
— Eu queria ver filmes — resmungo para dentro da xícara fumegante.
Marcus se levanta do sofá e vem até mim em passos pequenos mas ligeiros. Ele me abraça por trás, tirando meu cabelo da nuca e o jogando para a frente.
— A gente tem a vida inteira pra ver filmes.
— Qual você viu?
— O Rei da Comédia, Táxi Driver...
— Hum, uma maratona DeNiro. Eu amo — suspiro — queria ter visto.
— Seu cabelo tá cheiroso — ele o cheira, e faz cócegas na minha nuca. — Ou é só o café?
Chuto sua canela, ele se afasta dois passos e encosta no balcão da pia. É esse tanto que minha cozinha (ou minha antiga cozinha, agora) é pequena. Dois passos e damos de cara com o balcão.
— Eu já disse que amo seu cabelo assim?
Reviro os olhos, escondendo o sorrisinho atrás xícara.
— Acho que disse... umas duas vezes.
— E vou dizer de novo: eu amo seu cabelo assim. Você pode fazer o que quiser, até pintar de todas as cores do arco-íris de uma só vez, mas eu sempre vou gostar mais desse.
— Eu sei, eu sei o que você quis dizer: por favor, não pinta de loiro de novo.
Marc joga a cabeça para trás, rindo, apoiado na pia.
— Eu não disse... — ele encolhe os ombros. — Mas se sua decisão é essa, eu te apoio.
— Obrigada, Marc. Você é muito gentil.
— Falando nisso...
— Nisso o quê? — Estreito as sobrancelhas.
— Nas minhas qualidades... — ele mantém o semblante impassível, cínico. Não consigo segurar um riso curto. — Eu fiz uma coisa pra você.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Liz e a Lista do Nunca
Genç KurguTrês amigas, três listas e várias promessas quebradas. Assim começa a história de Liz, Mimi e Clarice, três amigas de infância que, numa noite de "festa do pijama" decidiram criar uma lista apontando coisas que NUNCA farão. Em suas cabeças de pré-a...