Capítulo 8

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Não adiantou nada ter dormido para esquecer. Passei a noite inteira dentro de sonhos conturbados com Marcus, Bife's, listas e todo tipo de easter egg sobre Valentina possível. Sonhei com a cidade como era antes, quando eu morava aqui. As casas sem reformas, os estabelecimentos com fachadas antigas e as pessoas mais novas do que estão hoje. Foi uma cápsula do tempo em forma de sonho.

Acordei com uma dor de cabeça ainda maior do que aquela que tinha quando deitei. Desço as escadas pisando leve, como se os degraus fossem plumas—desejando isso—e massageando as têmporas, tentando enganar a dor.

Não vejo ninguém pela casa, e a primeira coisa que faço é um café forte. Só o cheiro já me deixa mais calma e aliviada. Não há remédio melhor para minhas manhãs de ressaca do que café, forte e puro, sem um pingo de açúcar. Amarga até minha alma, e assim acho que esqueço um pouco a sensação terrível causada pelo exagero na bebida.

Saio da cozinha com a xícara fumegante em mãos, fumaçando à minha frente, e vejo John no quintal, em baixo do pé de carambolas, com Lavínia sentada em sua cacunda, rindo e tentando alcançar as frutas do pé.

— Bom dia — ele diz ao me ver. Lavínia replica da sua maneira.

Assinto para os dois enquanto tento livrar meus olhos da claridade do sol.

— Está conseguindo raciocinar?

Balanço a palma da mão aberta como para lá e para cá. Mais ou menos.

— Cadê todo mundo? — Sento-me à mesa de madeira no meio do quintal.

— Clara e Miranda estão dormindo; Marcus saiu logo cedo.

Ótimo. A última coisa que eu queria agora era que Marcus estivesse por aqui. Uma noite inteira de sonhos com ele me perturbando já foi suficiente para minha cota semanal. Preciso tirá-lo da cabeça, sei disso. Não foi para me sentir como sentia aos quinze anos que fiz essa viagem. Eu sequer sabia que ele estaria aqui, agora tenho que me esgueirar pelos lugares, com medo de vê-lo e sentir meu coração acelerando em menos de dois segundos como um carro de corrida na largada da fórmula 1.

Entorno um gole do café e faço careta.

John se aproxima da mesa e tira Lavínia das costas, a colocando sentada no tampo da mesa. Ela segura uma carambola e me mostra, feliz da vida. Consigo abrir um sorriso sincero para ela, que volta a atenção para a fruta.

— Não vi a hora que vocês chegaram — diz John.

— Eu vim antes... — digo. — Marcus foi me buscar. Também não vi como as meninas chegaram.

— Marcus estava por aqui?

— Não sei onde ele estava, mas voltou para cá comigo.

John para um pouco, dando atenção à fascinação de Lavínia com a fruta-estrela, e fala quase divagando:

— Marcus é um cara legal.

— É.

— Acho que a maioria das pessoas pensam o contrário, mas ele é bem... — John para novamente, mas logo continua: — ...disponível.

Sorrio para dentro da xícara. Que ironia.

— Acho que sim.

— Lembro de uma vez em que ele foi te buscar do outro lado da cidade porque você estava no meio da tempestade.

— Ah.

— Ele tinha acabado de tirar a carteira.

— Sim, eu lembro. Ele só foi porque Gustavo não estava aqui, pelo que me lembro.

Liz e a Lista do NuncaOnde histórias criam vida. Descubra agora