Capítulo 1

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2018

Passo, pela milésima vez, a escova pelos cabelos, e pela milésima vez tufos amarelos caem na pia, me fazendo suspirar descontente.

— Droga — murmuro para o espelho, sozinha em casa.

Mesmo Mimi prometendo ser pontual para a viagem, eu sabia que ela se atrasaria mais uma vez, como é de costume.

Continuo tentando pentear os cabelos, cada vez mais frustrada. Em um surto de mudança, pintei os fios naturalmente ruivos de loiro dourado, o que me causou arrependimento instantâneo, e até agora não consegui reverter essa situação. Por estar muito fraco, não poso pintar de volta. Pensei em usar chapéu por seis meses, mas não ficou legal. Péssimas escolhas nós vemos por aqui.

Um barulho alto no corredor me faz sair do banheiro e espiar pelo olho mágico da porta o que quer que esteja acontecendo. Achei que fosse Mimi batendo aqui, mas é Mimi tentando descer sua mala do quarto andar para o terceiro.

— Por que você vai levar essa mala gigante? Vamos passar menos de um mês lá, e não nos mudar para sempre — digo, indo ajuda-la.

— Bem que eu queria estar me mudando para sempre — ela se apoia um pouco no corrimão da escada, ofegante. — Essa cidade está me deixando cinza.

Rio com o exagero, e consigo descer a mala para o último degrau e depois, direto para o piso do terceiro andar.

— Que exagero...

— Vai dizer que você prefere a Capital à Valentina? Não, Liz. Você só está aqui por... eu nem sei porquê.

— Porque minha vida inteira foi construída aqui. Não posso largar, simplesmente.

— Faria, se pudesse.

— Se eu pudesse faria muitas coisas absurdas. Que bom que a vida não é assim.

— É... você não é conhecida por tomar as melhores decisões.

Ela parece totalmente recuperada quando tira as costas da parede e marcha até meu apartamento, entrando sem cerimônia. A mala continua no corredor.

— Eu tomo ótimas decisões, só não consigo entender isso no começo... — me defendo, mas, convenhamos, nem eu acredito nisso.

— Ah, é? Como a decisão de pintar o cabelo — Mimi olha para mim por cima da porta aberta da geladeira.

— Essa decisão envolveu álcool — justifico. — Um coração partido e um domingo solitário. Eu não pude fazer nada — finalizo, e me lembro do dia, há pouco mais de um mês.

Um feriadão nunca é bom para quem levou um pé na bunda, então essa foi a melhor das piores coisas que eu podia ter feito.

— Tá certo... claro.

Arrasto minha mala modesta, em tamanho aceitável, para fora do apartamento e começo a puxá-la para as escadas.

— Ei, não vai me ajudar aqui?! — pede Mimi, correndo para fora do apartamento ainda segurando a garrafa d'água aberta na mão.

— Tomei a péssima decisão de não fazer isso — digo, sumindo andar abaixo. — A chave está na porta... não esquece de fechar!

— Liz! — Ouço seu grito mas continuo descendo até estar no térreo.

Depois de dez ou quinze minutos esperando dentro do carro, minha consciência pesa e eu vou até o hall de entrada do prédio para buscar sinais de Mimi. Por pouco não sou atingida pela mala ao pisar no primeiro degrau; o objeto passou direto por mim e só perdeu velocidade ao bater de encontro com a parede.

Liz e a Lista do NuncaOnde histórias criam vida. Descubra agora