Felicidade

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E se a felicidade
Me apanhasse repentinamente?
Diante de todas as prováveis,
a improvável,
Desnecessária, 
Tola 
E volátil alegria…
 
Como o riso, depois de um gole,
Depois de uma garrafa toda…
Depois da jura que fiz 
De não inebriar-me de vinho,
Mas logo comungando em taças cheias,
Transbordantes, transformadoras…
 
Num perder-me de mim mesmo
Que é doloroso e catártico e cheio de música.
Com cantos de tristeza que me ensinam
Que ser triste é um estado de alegria.
E que ninguém deveria ser tão forte
A ponto de jamais sofrer.
 
Porque é do despertar que vem os mundos novos
E não do estado de vigília…
Na transformação da mente em êxtase,
Nos pensamentos fluindo desatados…
 
Os lúcidos
(Ah! Pobres lúcidos!)
São lagos planos onde o espírito não sopra.
Transparentes e mornos,
Tem o fundo tão similar à superfície
Que os não destingues…
E são serenos e calmos
E sua resignação
É o coroar de uma vida sem desejos…
 
Mas eu que recuso o ser feliz,
Que me atenho a voragem do cotidiano…
Suando a um sol que arde,
Confrontando o mal do homem
Sei porque meu riso é intempestivo…
 
Eu deveria ser feliz.
Nesta manhã,
Sob este céu
E por que o estio é longo...
 
Mas é certo
Que já nasci com esse imperativo?
Com o dever de coaxar nos pântanos
Entre os juncos?
Para ser feliz ao ponto de que a vida
Seja a constatação exata 
De um ventre estalado e próspero!
E que eu fosse
Como a besta que move a mó
No seu fastidioso giro…
Na sua ciranda de tédio
Em direção a um futuro
De ipseidades maçantes!
 
Penso que o prisioneiro olhando 
Para fora da cela
E imaginando a sua fuga à noite,
Em que as trevas ocultam-no de olhares, 
Sabe-se feliz de imaginá-lo...
 
E o invejo
Mesmo ele não sendo livre,
E eu sendo livre,
Livre de muros e grades e jaulas.
 
E olho no espelho,
Onde apaguei-me as asas
E me questiono.
(Tendo a liberdade de ir aonde queira,
Pois fiz as escolhas convenientes.)
Se a felicidade 
Não seria mais que uma prisão...

Prelúdio às VisõesOnde histórias criam vida. Descubra agora