Capítulo Dois

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Sentiu a dor antes mesmo de abrir os olhos e se tocar que havia dormido demais. De novo. Não se lembrava de ter comido nada de diferente que pudesse justificar e provocar uma dor de barriga como aquela, era como se alguma coisa quisesse rasgar sua barriga de dentro para fora e ganhar a liberdade. Involuntariamente a imagem de si mesmo todo ensanguentado depois de um Alien sair de sua barriga se formou em sua mente e ele finalmente abriu os olhos. Correu em direção ao banheiro, mas foi forçado a parar no meio do caminho.

– Cadê o banheiro? Que lugar é esse? – se perguntou coçando a nuca. Sentiu o cabelo mais comprido e mais macio do que o normal e o puxou para a frente para ver. Estava tipo BEM mais comprido que o normal. Comprido até demais. Do tipo que só deixando mais de um ano sem cortar para ficar daquele jeito.

– Mas que porr...

– Nina! Tá pronta? Você já acordou, sua preguiçosa? – ouviu alguém gritar de algum ponto daquela casa. Antes que pudesse procurar essa pessoa e perguntar como tinha ido parar ali, sentiu outra fisgada na barriga e correu para a primeira porta que viu. Felizmente era um banheiro. Infelizmente, no entanto, não era por causa de seu intestino que a barriga doía. Foi só quando levantou e olhou para a água do vaso que percebeu o sangue.

A duas casas de distância, Madame Min teve sua segunda crise de riso histérico das ultimas vinte e quatro horas. O grito podia ser ouvido de longe e era assustadora e desesperadamente alto. A ponto de muita gente colocar a cabeça para fora no portão para ver de onde vinha. Isso fez a vidente cair da própria almofada de tanto rir.

– O que? O que foi? Quem morreu? Nina??! – uma garota baixinha que não devia ter mais do que dezesseis anos (ela tem quase dezoito, mas isso não vem ao caso agora) abriu a porta do banheiro. Jungkook gritou, ela gritou, os dois gritaram juntos.

 – O QUE FOI QUE ACONTECEU GAROTA? PARA QUE ESSE ESCÂNDALO?! – perguntou aos berros.

Jungkook apontou para a privada, se segurando para não voltar a gritar, depois para o espelho sobre a bancada da pia e depois para o próprio cabelo. Desesperado. A menina se aproximou do vaso com cautela, temendo ver uma daquelas aranhas peludas e venenosas que pulam cinco metros de distância e te matam em menos de cinco minutos. Não deveriam ter assistido o Animal Planet antes de dormir, sabia disso. Quando se aproximou, porém, tudo o que viu foi a água da privada e ela estava rosada. Nina estava menstruada.

– Esse escândalo todo só porque ficou menstruada? – perguntou a menina o encarando incrédula. – Todo mês você faz isso? Por favor, me lembre de nunca mais te chamar para passar a noite aqui quando estiver de TPM. Deus me livre presenciar essa cena de novo. – falou com desdém.

Para Jungkook nada do que saía da boca daquela garota fazia sentido. Ele a encarou incrédulo, achando que aquilo só podia ser alguma pegadinha da empresa. Se pegou olhando em volta para ver se achava alguma câmera escondida naquele banheiro minúsculo.

– Tem absorvente naquela gaveta, pode pegar. – completou a menina apontando para o móvel sob a pia e batendo a porta do banheiro ao sair.

Jungkook se jogou na porta e a trancou imediatamente, desesperado. Sentia que ia ter um ataque de pânico a qualquer momento. Seu peito – SEIOS! SÃO SEIOS! – subia e descia rápido conforme ele inspirava e expirava todo o ar que conseguia juntar em seus pulmões, tentando a todo custo se lembrar dos exercícios de respiração que havia aprendido na terapia. Queria se olhar no espelho, mas estava morrendo de medo.

– É um sonho. Isso é um sonho. Só pode. Daqui a pouco um dos hyungs* vai me acordar e dizer que dormi demais. É isso. Faz sentido. – falou. Estava a todo custo tentando ignorar a dor na barriga – que agora entendia ser de cólica – e o cabelo caindo para a frente cada vez que mexia a cabeça.

Aproximou-se da pia e abriu a torneira de tudo, sem se atrever a levantar os olhos para qualquer um dos três espelhos pregados na parede. Deixou a água correr até ficar bem fria e jogou no próprio rosto. Várias vezes. Ainda conseguia sentir as pontadas de cólica, mas tentou não focar nisso. Jogou muita água no rosto, quase se afogando no processo, mas queria a todo custo acordar daquele pesadelo antes de se olhar no espelho, então não se importou.

– Se vai tomar banho pelo menos use o chuveiro! – ouviu a garota gritar do outro lado da porta. Fez uma careta. Se ela estava ali, gritando do outro lado da porta, significava que ele não tinha acordado ainda. Lentamente ele levantou a cabeça, de olhos fechados, sem coragem. Soltou o ar pela boca, tentando se manter calmo. Se ao menos sua barriga parasse de doer!

***

Quase todo os dias da minha semana eu perco a hora. Ontem eu perdi hora, no dia anterior eu provavelmente teria perdido também, se tivesse ido à aula. Por que hoje seria diferente? Porque infelizmente tem alguém balançando meu ombro para me forçar a sair da cama. Gemi e joguei o travesseiro em quem quer que fosse.

– É melhor levantar logo, tem um milhão de coisas na agenda de hoje. – ouvi alguém dizer. Abri um olho, confusa. De quem é essa voz? Parece a voz do Taehyung, do BTS, mas isso seria impossível porque eu dormi na casa da Han Mi Mo e ela não me pregaria uma peça dessas.  Levantei a cabeça e olhei na direção da porta, infelizmente errei a direção e dei de cara com Jeon Jungkook me encarando do outro lado do quarto. Quarto que não reconheci, mas vamos focar no Jungkook me encarando.

Para uma army – nome que nós, fãs do BTS, ganhamos pouco depois deles debutarem – acordar e dar de cara com um dos seus ídolos em pessoa ali, dormindo na cama ao lado, é um motivo super coerente e plausível para se ter um surto. Mas eu sou uma fã controlada, nada psicótica que sabe respeitar os artistas. Ok, eu sei fingir normalidade numa situação dessas, já é alguma coisa.

Arregalei os olhos, ele também. Levantei da cama e ele também. Só quando levantamos os braços para coçar os olhos, ainda simultaneamente, foi que eu me toquei que não era Jungkook que me encarava. Aquilo era um espelho. Por algum tempo eu me senti num daqueles desenhos animados onde alguém fica te imitando para fingir que uma porta é um espelho. Fiquei fazendo movimentos aleatórios para ver se aquele Jungkook conseguia repetir os mesmos gestos. Mas não, aquilo era mesmo um espelho. Senti meu coração acelerando e o ar sumindo aos poucos. Para não desmaiar eu corri na direção do espelho - Jungkook também - e parei ali, quase surtando.

Tem dois motivos que podem me fazer surtar nesse momento. Um: é o Jungkook. Tipo, o Jungkook do BTS. O JUNGKOOK DO BTS ME ENCARANDO DO ESPELHO. Dois: de alguma forma maluca ele e eu somos a mesma pessoa.

– É um sonho. Claro que é. – falei para mim mesma. Da minha boca saiu aquela voz suave que eu amava. Só pode ser um sonho. Ontem eu e Mi-Mo tomamos soju escondido, assistimos Animal Planet e depois viramos a noite falando dos meninos. Isso é meu cérebro processando e projetando todo o álcool e a informação que eu acumulei ao longo do dia. Claro que é. Tentei refazer meus passos do dia para tentar lembrar o que mais me faria ter uma alucinação desse tamanho. Será que estou passando por estresse pós traumático, bem pós, por causa do cachorro do ferro-velho? É possível, não é? Mas o que o BTS tem a ver com isso? Será que tinha droga naquele soju?

Tentei me manter racional. Mas a quem eu quero enganar? Não tem nada de racional. Eu estou dentro do corpo do Jungkook. Isso significa que esse é o quarto dele e que a voz que me acordou era mesmo do Taehyung. PUTA MERDA! 

A respiração foi ficando mais difícil ainda, por mais que eu quisesse muito acreditar na minha pseudo-intelectualidade momentânea. A porta do quarto se abriu e aí sim eu tive um treco. Kim Taehyung entrou e parecia irritado com o meu atraso. Não sei mais o que aconteceu, depois disso eu tenho certeza que desmaiei. 

 

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