Ian
Se eu dormi depois daquela cena no corredor? Sim. Se eu tive descanso? Não, pois tudo que havia em minha mente era Missy, suas lágrimas, e aquela camisola azul. Vejo o nascer do sol e decido descer para preparar minha partida imediata. Vou até a cozinha para tomar um gole de café antes de procurar meu cavalo e ali encontro o objeto de meus sonhos coando a bebida matinal.
-- Bom dia. -- cumprimento.
Ela sorri.
-- Bom dia! O senhor é madrugador pelo visto.
-- Não tanto quanto a senhorita. -- digo.
Ela concorda com um aceno e termina a tarefa, colocando uma toalha na mesa, pães e um pote de manteiga. Depois trás os talheres e xícaras.
-- Se importa de tomarmos o café aqui? -- ela pergunta.
-- De forma alguma. -- digo, já me servindo.
A observo enquanto passa manteiga no pão. Está com os cabelos soltos, ainda com cara de sono mas sem o ar desolado de ontem. Depois que a abracei, relutei em soltá-la e Missy por sua vez fez o mesmo. Depois que ela disse aquelas coisas naquele corredor eu comecei a compreendê-la. Pelas palavras e por ver o que aconteceu ali, a mágoa e raiva que ela tem de Edmund Kedard, como ela tremia ao ver o sangue naquele quarto, tão próximo de seu próprio aposento. Como se sentia ao saber que esteve tão próxima daquele lugar, tão próxima do assassino do pai. E se ele entrasse pela janela errada, a mataria também?
-- Senhorita, creio que depois de ontem temos um vínculo de amizade, não? -- pergunto sorrindo.
Ela olha para mim, desconfiada. Toma um gole de café para engolir o pão que mastigava.
-- Um vínculo ainda tênue. Mas, pergunte.
-- Como sabe que quero lhe fazer perguntas?
-- É tudo o que tem feito desde ontem, senhor. -- ela sorri e me sinto encorajado.
-- É um costume recente beber conhaque?
Ela cora ligeiramente.
-- Só bebo quando não consigo dormir. Uma ou duas doses pequenas.
-- Pelas suas olheiras, a insônia lhe é frequente.
-- Está me chamando de bêbada? -- ela me acusa.
-- De forma alguma, eu também aprecio uma boa bebida. Só queria alertá-la quanto ao perigo fazer isso frequentemente.
-- Eu os conheço muito bem. Mas é isso ou ficar insone noites a fio ouvindo aquele gemido naquele quarto assombrado. Não pode me julgar por isso.
Ela está magoada e envergonhada, percebo.
-- Tem razão, me perdoe. -- decido mudar de assunto -- O assassino de seu pai foi pego?
Ela me olha por um longo tempo antes de responder.
-- Não.
-- E a senhorita tem ideia de quem poderia ser?
-- Porque está me perguntando isso? O senhor sabe de algo que eu não sei?
-- Não, eu infelizmente não sei. Pergunto pois estou preocupado que o assassino volte atrás da senhorita.
-- O senhor conheceu Edmund Kedard, um homem como ele cultivava inimigos. Se eu temer a cada um deles, irei enlouquecer em poucos meses.
-- Tem razão.
Concordei, mas não me senti confiante, pois sabia que os inimigos de Edmund Kedard poderiam aparecer e lhe fazer mal. Talvez até mesmo tenha sido um deles que lhe fez aquele machucado recente.
Enquanto eu pensava com meus botões terminando a refeição, uma gritaria se fez ouvir. Agnes apareceu na cozinha correndo e estancou ao me ver.
-- Senhorita! Senhor. -- ela me cumprimentou.
Acenei com a cabeça.-- O que aconteceu, Agnes? Quando a vejo correr assim, já sei que não é boa coisa. -- Missy diz, levantando-se.
-- Senhor Matias estava indo até a cidade vizinha visitar a mãe doente quando encontrou uma coisa. Erik.
Vejo o rosto de Missy perder a cor, e ela se apoia na mesa, como se fosse tomada por uma súbita tontura, tamanha surpresa aquele nome lhe causou, seja de quem fosse. Logo ela se recupera e sai a passos rápidos, e eu sigo ao seu encalço. Saímos para fora e encontramos ali dois homens conversando, e uma carriola coberta com um grande pano de sapê. Vejo sob ele pés imóveis quase encostando no chão.
Sem cerimônias, Missy puxa o tecido que cobre o corpo e o olha atentamente, assim como eu. Ali jaz um homem grande e corpulento, já com a pele acizentada, ele deve estar morto há um ou dois dias. E a causa da morte é bem aparente: um pequeno, porém profundo corte no pescoço o fez sangrar até morrer.
Os homens cessam a conversa e um deles pergunta a patroa.
-- Devemos chamar o coveiro, senhorita?
Missy tira os olhos do cadáver e olha para eles, espantada.
-- Coveiro? Não, isso me custaria duas moedas. O joguem no rio, a correnteza forte cuidará dele. -- ela diz, firme.
Isso me assombra um pouco, porém os homens concordam e, sem hesitar carregam o homem até o destino ordenado. Agnes logo entra em casa silenciosamente, já Missy e eu ficamos ali até os homens desapareceram de vista. Levo alguns momentos para entender o sentido dessa cena.
-- Bem que a senhorita me avisou que o rato saiu daqui em condições piores.
Ela apenas se vira para mim e me encara com altivez, como se aguardasse meu julgamento.
-- Não é tão frágil quanto pensei, senhorita. -- sorrio -- Isso é bom. Me deixará mais tranquilo quando eu for embora.
Ela solta o ar que prendia.
-- Já está indo?
-- Sim, preciso partir o quanto antes.
Pensar em tudo o que aconteceu aqui, completo mentalmente.
-- Desejo que faça boa viagem. E lhe agradeço a consideração de ter vindo até aqui. -- ela sorri sinceramente.
Pego suas mãos novamente, como se eu não pudesse resistir a esse último contato.
-- Antes, preciso que me faça uma promessa.
-- Que promessa, senhor?
-- Prometa que, se não houver mais saída, irá me procurar. Eu… nós iremos dar um jeito. Prometa-me.
Ela me encara sem piscar, sem dúvidas analisando, pesando as consequências daquela promessa.
-- Eu prometo, Ian.
-- Ótimo! Nos veremos novamente então. Até esse dia, senhorita Missy.
Levo sua mão aos meus lábios num beijo que, conscientemente, leva alguns segundos mais que o necessário.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Meu querido Senhor Mackenzie - Livro 2
RomanceNaquela remota cidade da Escócia todos sabem que a senhorita Kedard é uma mulher bela, arrogante e interesseira, capaz de fazer qualquer coisa para conseguir um casamento vantajoso. Mas... alguém realmente conhece Missy Kedard? Alguém sabe qua...