† Capítulo Dezenove

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"Sensitividade: o dom de perceber demônios em um templo religioso"
Pecadora

Mídia: Ali Khalifa Nayhan 

Em seu quarto Lúcifer estava parado na frente do espelho há longos minutos. Olhava seu braço com algumas ataduras e curativos devido à arranhões. 

Seus cabelos bagunçados com os fios molhados batiam suavemente no seu rosto abatido. Por um segundo desejou não ser ele, ou quem sabe, se matar e acabar de vez com tudo aquilo. 

Saber que a vida de Gabriele e de seu irmão estavam nas suas mãos o fazia querer gritar para que todos entendessem: aquilo não estava certo. 

Ele sabia mais que todos que naquele mundo os únicos caminhos eram ou uma vida perigosa, sempre arrisca, ou a morte. 

E sabia que nem Fábio ou Gabi haviam jeito para ambas as coisas. Eles pareciam calmos, mas não sabiam de verdade o que era estar na máfia, e portanto nem tinham preparo para aquilo. 

Mas agora não tinha volta, sua ex-parceira Robertha certamente tinha visto ambos e os reportariam para Abasi, o que o faria querer a morte de todos, não apenas de Lúcifer. 

Olhou mais uma vez para o espelho, sentiu nojo de si mesmo. Comparou-se por um segundo com seu pai, incapaz de proteger aqueles que em teoria deveria proteger. Um inútil, covarde, que se escondia numa postura ineterrupta de cafajeste e, muitas vezes, frio.

Por um mero instante, viu transpassar em seu olhar, a mesma maldade que habita o olhar sombrio daquele que um dia nomeou socialmente e amavelmente de "pai". A breve ilusão foi o suficiente para um descontrole, e num ato furioso socou o espelho na mesma direção de seu rosto, o afundando e rachando o mesmo em diversos cacos — onde a maioria perfurou os nós de seus dedos. 

Retirou a mão com lentidão, deixando a raiva extravasar através da sensação cortante que eram as lâminas afiadas mexendo-se involuntariamente na sua pele. 
Respirou fundo e piscou os olhos, assimilando o estrago que havia feito tanto no espelho quanto na própria mão, que ganhara um tom escarlate graças ao sangue. 

Foi até a pia, lavando as mãos com cuidado, mas a dor começou a se tornar mais forte do que ele conseguia suportar e raciocinar o suficiente para retirar, com ajuda da correnteza da água, alguns cacos de vidro. A frustração se misturou com uma vontade submergida de choro.

Apenas puxou a toalha de rosto branca que estava próxima e enrolou a mão machucada com ele. Saiu rapidamente, esbarrando em Gabriele, que tomou coragem para ir conhecer o lugar, aproveitando o tempo antes da refeição que teriam. 

Dessa vez ambos caíram no corredor e para sorte deles – e azar do Faustão que ia amar ter uma cassetadas dessas para exibir – não havia ninguém no corredor testemunhando ou gravando. 
Gabriele, em outra ocasião, começaria numa crise de riso que nem Jeová barraria numa situação daquelas, mas um gemido de dor foi o suficiente para ela se ajoelhar e buscar preocupada algum sinal de lesão no homem, supondo que ele havia se machucado na pequena queda. 

Seu choque foi ao ver o pano entre aberto e cheio de sangue, que começava a escorrer novamente pela mão dele. Tapou a própria boca, e logo em seguida se adiantou em tocá-lo, buscar ajuda-lo em algo. 

— O que aconteceu? Como… – Assim que o moreno percebeu que ela já estava o olhando com pena, recuou. Levantou bruscamente, negando ajuda. — Lúcifer, onde você vai? Lúcifer! – Rangeu entre dentes, sem receber respostas. 

Por um segundo se preocupou com ele, o que a fez olhar para ser quarto. A porta aberta – escancarada, diga-se de passagem – deixava evidente algumas gotas de sangue no chão e por isso ela entrou. Uma puta invasão de privacidade, mas pelo amor de Jeová, quem ia pensar naquilo? 

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