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ALFONSO

Madrugada — a melhor parte do dia para mim. O mundo se equilibrando entre a noite e o dia. Escuridão e luz. Passado e futuro. Durante esse breve instante, tudo parece possível.

Maleta na mão, assoviando uma melodia qualquer, atravessei o gramado dos fundos em direção ao anexo que funcionava como depósito de ferramentas. Como qualquer outro marido feliz se preparando para mais um dia de trabalho. Uma vez dentro, tranquei a porta e parei de assoviar.

Aquele quartinho não passava de uma fachada para as verdadeiras ferramentas do meu negócio. Como sempre, a bancada do torno deslizou facilmente para o lado, revelando uma tampa de metal sobre o chão. Ajustei os números do cadeado, soltei a lingueta de metal e abri o alçapão. Arrastando a maleta atrás de mim, desci uma escada, acendi a luz e avaliei as possibilidades. As pilhas de cédulas guardadas ali estavam criteriosamente organizadas segundo o país emissor. Minha coleção de armas era quase um arsenal: morteiros, granadas, uma miríade de armas portáteis.

Escolher uma delas era como fazer compras num hipermercado. Eu precisava de algo leve e quase invisível, mas com alcance e poder de fogo razoáveis. Encontrei o que buscava, joguei na maleta e tranquei. Uma vez fora do alçapão, voltei imediatamente ao papel de marido feliz. Assoviando, caminhei até a garagem, tranquei a maleta no porta-malas do carro e saí de ré em direção à rua, já inteiramente concentrado no trabalho.

Por puro condicionamento, olhei pelo retrovisor e me lembrei de que tinha negligenciado uma de minhas obrigações conjugais. Apertei o controle remoto da garagem, e a porta se fechou lentamente. E fui embora para minha outra vida.

ANAHÍ

Eu ainda estava na cama, mas meus olhos estavam abertos. E os ouvidos, alerta. Por fim ouvi o carro saindo para a rua. "Não se esqueça de fechar a porta da garagem, Alfonso." Ótimo. O barulho inconfundível da porta se fechando. Ele havia se lembrado, pelo menos dessa vez.

Saí da cama e fui direto para o banheiro. Não tinha tempo a perder. Quatro minutos no banho, três me vestindo (sou uma profissional, ora bolas); depois desci correndo para a cozinha e acionei a função "limpar" do forno.

Não. Não sou dessas donas-de-casa obsessivas que não conseguem sair de casa com os restos da lasanha da noite anterior grudados na grelha do forno. Era outra coisa que eu havia assado na minha cozinha. O timer apitou, e com um gesto abrupto abri a portinhola do forno. Depois digitei vários números no painel de controle e...

Biiiiip! Uma advertência de dez segundos.
Assim que digitei o código de segurança, o bip parou. A base do meu forno se abriu. E eu sorri.

Era ali que eu guardava meus utensílios de cozinha especiais: armas de última geração, facas reluzentes. Limpas, lubrificadas, tudo muito organizado.

Logo que nos mudamos constatei que o melhor lugar para esconder meus segredinhos era a cozinha, uma vez que Alfonso não sabe sequer ferver uma água. Analisei as opções e depois guardei na perna direita minha faca predileta.

Luzes apagadas, cafeteira elétrica desligada, fui para a garagem e saí com o carro. No pára-choque, o adesivo: "Vizinhos vigilantes: mantendo nossas ruas em segurança."

Era isso o que eu fazia todos os dias, mas não exatamente da maneira que os vizinhos imaginavam.

Pouco depois eu estava num dos arranha-céus da cidade, atravessando a porta giratória em direção ao átrio. Diante dos elevadores, conferi minha aparência nas portas espelhadas: blazer preto e justo, saia acima dos joelhos, salto alto, maleta executiva.

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