ALFONSO
Quase caí para trás ao olhar para o alto do espigão de oitenta e tantos andares, novinho em folha, que se lançava em direção ao céu cor de anil. Alguém estava montado na grana.
Conferi o endereço que aparecia no bloco de anotações de Anahí. Era ali mesmo. Octogésimo segundo andar.Nunca soube que o negócio de assistência técnica na área de informática desse tanto dinheiro. O prédio ainda estava em construção, mas aparentemente a Triple-Click não tinha tempo a perder. Afinal, tinham um assassinato para planejar: o meu.
Vestindo um macacão preto e carregando uma caixa de ferramentas surrada, eu era apenas mais um operário-padrão a caminho do trabalho; portanto, não tive dificuldade para cruzar os andaimes. Dentro do elevador, apertei o botão que me interessava e fiquei ali, olhando para os números: 70, 71, 72, 73... O 74
não se acendeu. 75, 76... De repente, o carro parou entre dois andares.Esperei por um instante para ver se se tratava de um truque de espionagem premeditado ou de apenas um probleminha rotineiro. Por fim, uma voz masculina disse pelo alto-falante:
— Aqui é da segurança. Aparentemente há um problema com o elevador. Podemos mandar um engenheiro pra dar uma olhada, se o senhor quiser.
— Não, muito obrigado — respondi. — Prefiro ficar aqui, esperando que o problema se resolva sozinho. Um momento de silêncio.
— O senhor está brincando, não está?
Não respondi. Então o guarda se manifestou novamente, impaciente demais para um reles segurança.
— Então, está brincando ou não está?
Na verdade, aquele jeito de falar. Lembrava demais o tom de impaciência da minha mulher quando se metia numa discussão.
Sorri calmamente para a câmera de segurança fixada na parede. Nunca se sabe quem está nos observando nesse tipo de situação.
E mandei um beijinho para ela.
ANAHÍ
Então era isto: ele havia descoberto o endereço a partir da anotação que eu havia feito no bloco da mesinha-de- cabeceira. E agora estava lá. Eu sabia muito bem para quê, e o que planejava fazer.
Eu olhava para as imagens de Alfonso, preso no elevador entre dois andares. Merda! Meu marido sempre ficava irresistível em roupas pretas.
"Ele não é meu marido", tive de me lembrar.
Eu havia falado com ele como se fosse um guarda de segurança, minha voz distorcida por um modulador de modo a ficar mais grave. Quando ele não me respondeu, fui obrigada a repetir:
— Está brincando ou não está?
No monitor, ele levantou o queixo e olhou diretamente nos meus olhos. Eu tinha certeza de que, com ou sem modulador, ele sabia exatamente com quem estava falando.
Sobretudo quando mandou um beijo.
Canalha!
Deixei de lado a voz falsa e disse:
— Este é o primeiro e último aviso que eu lhe dou, Alfonso.
Ele sorriu para a câmera, e acho que ouvi uma de minhas assistentes mais jovens suspirar. Aquele sorriso sempre fora uma de suas armas mais poderosas.
— Você sabe que não vou a lugar nenhum — ele retrucou sem se alterar.
O patife tinha colhões, isso ninguém podia negar. Naquele elevador não estava o homem que, entre uma dose de uísque e uma partida de golfe, atravessara como um sonâmbulo o nosso simulacro suburbano de uma vida em comum. Ninguém precisa de colhões para cortar a grama ou levar o lixo reciclado para fora.
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Mr & Mrs Herrera
FanfictionUma aventura de ação sexy, na qual Anahí e Alfonso Herrera são um casal suburbano com um casamento normal e sem vida. Alfonso é um engenheiro de sucesso, e Anahí uma empresária do ramo de sistemas de informática. Mas cada um deles tem um segredo qu...