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ANAHÍ

Acabou. Santo Deus, como eu pude...

Olhando para o outro lado da rua, vi uma nuvem de poeira e estilhaços vazar pelas portas do arranha-céu ainda em construção.
Acidente de trabalho. É o que diriam depois. Ninguém jamais saberia o que de fato tinha acontecido.

Eu sequer estava no prédio quando tudo aconteceu. Minha equipe e eu estávamos perfeitamente seguras a poucos metros dali, dentro da nossa van preta — um centro de comando móvel de onde eu havia orquestrado a coisa toda. Na verdade, Alfonso passou bem ao nosso lado quando estava a caminho do prédio, e em nenhum momento de nossa conversa percebeu que não estávamos no octogésimo segundo andar.

Em termos estritamente técnicos, eu não tinha feito nada. Dulce havia detonado os explosivos.
Mas eu tinha planejado tudo. Tinha armado as cargas com minhas próprias mãos. Tinha premeditadamente deixado a impressão daquele endereço no bloquinho de anotações. A isca foi das mais rudimentares, coisa de criança, mas Alfonso mordeu- a com a inocência de um cordeirinho.

Tudo não passou de uma armadilha. Na qual ele havia caído como um pato.

Portanto, que diferença fazia não ter sido eu quem apertou o fatídico botão?

Minha intenção havia sido o tempo todo apertá-lo. Afinal era esse o plano. Minhas mãos estavam sujas de sangue — do sangue de Alfonso.

O que senti depois? Horror? Remorso? Pesar?
Não sei dizer. Um atordoamento, talvez, como o de um sonâmbulo que acaba de acordar no meio de um lugar desconhecido.

Como é que eu fui parar ali?

Por fim ouvi o alvoroço das sirenes dos carros de polícia e das ambulâncias que cercavam o local do acidente. Mas sabia que as ambulâncias seriam desnecessárias.
Sou muito boa no que faço. Tinha certeza de que nenhuma pista havia ficado para trás.

Nenhum corpo.

Alfonso tinha... ido embora.

As luzes dos carros de polícia rodopiavam no ar como as luzes de uma discoteca surreal. Sentada ao meu lado, Maite a expressão em meus olhos.

Mas virei o rosto antes que ela pudesse descobrir o que eu estava sentindo. Eu era uma profissional. Como uma cirurgiã, não podia me permitir nenhuma espécie de sentimento se quisesse realizar bem o meu trabalho.

Meus olhos se voltaram para o tumulto do outro lado da rua. Sim, eu tive coragem. Fiz exatamente o que ele teria feito se eu não tivesse feito antes.

ALFONSO

— Ela foi capaz — eu disse, ofegando. — Ela foi mesmo capaz...

Levei alguns segundos para me convencer de que não estava no céu — nem no inferno. De que ainda estava vivo, pendurado pela ponta dos dedos a uma aba, quatro andares acima do elevador em escombros.

Escombros que deveriam ter incluído pedacinhos do meu crânio, do meu esqueleto inteiro. Meu Deus. Ela foi capaz.

Cheguei a achar que jamais tivesse coragem.
Mas teve. Talvez tivesse pensado: "É ele ou eu."

E você, Alfonso? Teria a mesma coragem que ela?

Se tivesse a oportunidade, teria estourado os miolos da vaca antes que ela pudesse despachá-lo para as profundezas do inferno?

Teria, Alfonso?

Pois ela teve. Não pensou duas vezes.

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