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ANAHÍ

Eu havia escolhido como base de operações o casebre de uma mineradora, velho e empoeirado, plantado no topo de uma colina rochosa em algum lugar do deserto. Onde exatamente? Só Deus sabia — em algum lugar ao norte da fronteira entre o México e os Estados Unidos; isso era o máximo que eu podia dizer.

Vasculhei a área com um par de binóculos, mas não vi nada além de quilómetros e quilómetros de areia escaldante. Mas aquela beleza árida de alguma forma me deixou comovida. O vazio, a solidão...Ei, mas o que era aquilo?

Uma nuvem de poeira chamou minha atenção para um comboio de utilitários que reluzia sob o sol do meio-dia enquanto avançava por uma estrada coberta de areia, quase invisível, serpenteando através do deserto.

— Alvo chegando — informei aos outros membros da minha equipe, que ouviam pelo rádio. — Entendido — respondeu Maite.
Sorri. Era hora de entrar em ação.

Este era o plano: eu havia conectado um timer box relativamente simples a cabos de mineração que se estendiam até o chão do deserto. Aquela área havia sido definida em meu laptop por meio de uma imagem tridimensional onde se viam vinte pontinhos brancos: uma ampla armadilha que logo seria atravessada pela caravana. Uma espécie de ratoeira.

O comboio entraria nela e — "bum!" — jamais sairia de lá. Esperei que minha presa se aproximasse mais e depois coloquei o plano em ação.

— Carga pronta — informei. — Detonação ao primeiro contato.

As imagens sobre a tela trouxeram a boa notícia: o comboio seguia direto para a armadilha. Chegaria em um minuto. Perfeito.

— Bem na hora — murmurei, sorrindo. Planejamento minucioso, posicionamento perfeito, trabalho de equipe impecável... Achei que resolveríamos nosso assunto e cairíamos fora dali muito antes que nossos desodorantes vencessem sob o calor do deserto. Uma sopa.

Foi então que uma mosca pousou em nossa sopa.

"Caramba!" pensei, "o que é aquilo?".

Ajustei os binóculos. Nada além de areia. E depois — lá estava ele de novo! Agora eu podia ver: uma espécie de carrinho esporte, talvez um Baja Buggy. Ele voou sobre o topo de uma duna de areia, sumiu no horizonte e reapareceu na duna seguinte. E depois sumiu outra vez. E reapareceu. E sumiu.

— Que diabos é isso? — perguntou Maite em meu fone de ouvido. — Uma ameaça? Uma redundância?

Balancei a cabeça, irritada.

— Talvez seja apenas um maluco fazendo cross na areia. O deserto está cheio deles.

Quando o veículo se aproximou o suficiente, pude enxergar a figura do motorista. Ele usava um capacete e óculos de proteção, bem como um cachecol ridículo, tremulando ao vento. Parecia que nunca tinha se divertido tanto.

Filho-da-mãe.

Com tantos tanquinhos de areia no mundo ele tinha de vir brincar justamente no meu!
Olhei para o laptop, preocupada. O buggy aparecia na tela como um pontinho intermitente, movendo-se da esquerda para a direita. Seguia direto para a minha armadilha.

Mas que filho-da...

— Vai disparar as cargas! — continuei olhando, cada vez mais tensa. — Pare... pare... pare...

A poucos centímetros do gatilho, o buggy parou. Soltei o ar dos pulmões sem me dar conta de que havia prendido a respiração.

O infeliz podia tanto dar o fora dali...

E então ele fez uma manobra radical, girando o buggy praticamente no próprio eixo — e fazendo com que o pneu traseiro tocasse levemente o feixe de laser. No entanto, como em diversas outras situações na vida, esse "levemente" rendeu o mesmo resultado de um
"inteiramente".

O laptop entrou em modo de alerta, as luzes verdes indicando que as cargas tinham sido ativadas e explodiriam em trinta segundos.

— Contagem regressiva iniciada — ouvi Maite exclamar — Anahí, eles estão na zona de fogo? Estão?

— Não, não! As cargas vão explodir cedo demais! Preciso reprogramá-las já!

O mais rápido que pude, peguei o timer box e comecei a trabalhar, desconectando fios, tentando anular comandos que tinham sido programados para serem executados irremediavelmente. A tarefa era árdua e complexa — nada que devesse ser feito com pressa. Cabeça baixa, concentrada, comecei a suar copiosamente.

Por fim consegui interromper a explosão. As luzes ficaram brancas outra vez. Levantei o rosto para ver onde estava o penetra.

Ele havia desligado o carro e pulado para fora. Olhava em torno de si. De repente, abriu uma maleta prateada. Um sistema de mísseis, talvez? Não... um lanche? Quem era aquela criatura, afinal? Um agente inimigo ou um feliz aventureiro?

— O que esse cara está fazendo? — resmunguei. Fiquei boquiaberta quando o homem tirou da maleta um sanduíche embrulhado e o que parecia ser uma fatia de torta.

Péssimo lugar para um piquenique, meu amigo! Fosse lá quem fosse, esqueceu sanduíche e foi direto para a sobremesa.

ALFONSO

— Boa tarde, senhor Danz — eu disse, observando o comboio que se aproximava. Com o auxilio dos binóculos, calculei que estaria a uns oitocentos metros de distância.

Estávamos em algum lugar do deserto, não muito longe da fronteira com o México.
Estacionado no topo de uma duna alta, eu tinha uma excelente visão da estrada. O comboio estava distante o suficiente para que eu pudesse fazer um pequeno lanche. Abri a maleta e retirei um sanduíche e um pedaço de torta de limão. Ambos estavam tão hermeticamente embalados em papel-filme que pareciam sufocar.

Essa é a minha Anahí, perfeita até nos detalhes mais banais. Puxa, quando foi que ela ficou assim, tão obcecada?

O sanduíche trazia um bilhetinho colado na embalagem: "beijinho, Anahí." Tudo bem, eu reconhecia o trabalho dela, o carinho. Acontece que... Eram milhares e milhares de bilhetinhos nos milhares de sanduíches que ela já havia feito para mim — e todos diziam exatamente a mesma coisa. Cheguei a desconfiar que tinham sido impressos numa gráfica.

Desembalei a torta primeiro. Afinal, era deliciosa, e eu não queria correr o risco de comê-la com pressa caso o comboio chegasse antes do previsto. O calor ali era pior que o próprio inferno. Minha boca salivava por uma marguerita. Sem despregar os olhos da carreata, busquei o meu cantil de prata, dei um trago no Red Label e tentei imaginar que tragava uma tequila bem geladinha.

Depois dei uma bela mordida na torta e quase gemi de prazer. Que delícia de torta! Das coisas que Anahí cozinhava, essa era uma das poucas de que eu realmente gostava. Tinha um gostinho de noites quentes em lugares distantes. Como o Caribe. Ou Bogotá. O sabor forte do limão combinava perfeitamente com o uísque.

Mas era melhor que eu voltasse ao trabalho. A missão não era das mais difíceis, sobretudo em comparação com outras. Tudo muito bem planejado, tempo de sobra. Mesmo assim eu precisava me concentrar.

Eu me orgulhava de fazer tudo com perfeição, mesmo os trabalhos mais simples. Mas não havia motivo algum para que não me divertisse um pouquinho.

— Então — eu disse, imitando a voz de um locutor esportivo — nosso belo comboio já está em campo.

A atração principal é um Navegador fortemente armado, bem no centro da fila. Osso duro de roer. Diz aí, Alfonso, o que você sugere? Joguei sobre o ombro um morteiro Javelin CLU de 76mm e respondi a mim mesmo:

— Bem, Bob, acho que vou tentar a sorte com o Javelin. Ativei a mira a laser e, procurando pelo alvo, prossegui com a encenação.

— Não há nada de mais moderno. Aquisição de alvos passivos, visor de termografia infravermelha... Todos os recursos de um sistema automatizado, mas é portátil, não pesa mais que sete quilos.

O comboio jã estava suficientemente próximo. Os minutos de Benjamin Danz estavam contados.

Dei uma última mordida na torta de limão.

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