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ANAHÍ

Talvez Alfonso quisesse continuar em casa e brincar de polícia e ladrão. Caubói e índio. Espião x espião. Mas eu já estava farta de jogar. E não ficaria naquela casa nem por mais um segundo. Então fugi.

— Seis anos... — sussurrei, enquanto atabalhoadamente tirava o carro da garagem — Seis anos...

Saí cantando pneus pela rua e dobrei uma esquina. De repente, como dois holofotes, os faróis do carro iluminaram Alfonso, encarapitado no alto de uma cerca feito um ladrão em fuga. Provavelmente tinha cortado caminho através dos quintais dos vizinhos.

Ele berrou um insulto qualquer, que não pude entender, e respondi com um olhar de poucos amigos. Então a cerca onde ele se encontrava desabou, jogando-o na lama, e antes que eu pudesse fazer qualquer coisa... Uma bala atravessou o pára-brisa do meu carro!

Mal pude acreditar. O canalha estava tentando me matar!

Instintivamente fechei os olhos e meti o pé no freio, já preparada para o impacto. Precisei de alguns segundos para constatar que a bala havia passado raspando pela minha cabeça.

Suspirando de alívio, olhei através do furo no pára-brisa, e lá estava ele, o assassino. Nas horas vagas, meu marido.

— Canalha! — gritei.

Alfonso ficou de pé; estava coberto de lama.

— Calma, querida, muita calma! — ele berrou, correndo como um louco na minha direção e acenando com a arma. — Não tive a intenção de...

Mas eu estava furiosa demais para raciocinar. Sabia apenas que não queria mais ouvir suas mentiras. Embiquei o carro na direção da fivela do cinto dele — e pisei fundo.

— Isso mesmo! — Alfonso gritou. — Libere a raiva! - mas depois percebeu que eu não estava brincando. — Anahí! — berrou. — Pare esse carro!

— Sinto muito, querido — murmurei para mim mesma. — Você não diz mais o que eu devo ou não devo fazer.

Uma das muitas coisas que Alfonso não sabia a meu respeito era o fato de que, ao longo dos anos, eu já havia passado por toda espécie de desafio e jamais havia perdido. Muitos grandalhões poderiam atestar minha coragem se já não estivessem debaixo da terra.

No último segundo, Alfonso saltou sobre o capo e depois, para cima do teto. Dei uma olhadela para trás para ver onde ele havia caído. Tudo bem, para ver se ainda estava vivo.
Nenhum sinal de Alfonso . O que não poderia significar outra coisa a não ser...

Ele ainda estava no teto!

Meio segundo depois, uma das janelas de trás explodiu com um chute vigoroso de Alfonso, que em seguida se jogou no banco coberto de estilhaços. Uma manobra radical, devo admitir.

— Anahí, escuta... — ele começou a dizer, inclinando-se sobre o banco da frente.

Mas eu já estava a meio caminho da minha própria manobra radical: abri a porta do carro e pulei fora, rolando no asfalto até subir num gramado macio.

Caro Alfonso— eu gostaria de ter dito depois de pular —, adeus. Nosso casamento acabou. Pode ficar com o carro.

Mas ele não teria ouvido. Berrava alto demais

ALFONSO

Caralho!

"Ela pulou do carro... E eu estou aqui, no banco de trás!"

Não restava dúvida. Ela ainda não havia perdoado o tiro acidental! Olhei pela janela e vi Anahí, já de pé, limpando a sujeira da roupa como se nada tivesse acontecido. E senti o carro — tumm! — bater no meio-fio.

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