[3] OS HOMENS SANTOS E OS ESPIRITOS CAIDOS

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Taú e Valentin saíram pouco depois das dez, munidos de não mais que uma veste limpa e suas próprias mortalhas — Valentin usava-a como uma bandana e Taú, um lenço a altura das calças. Rumaram em direção ao sul, a parte mais baixa da cidade onde haviam algumas ladeiras construídas em milhares de blocos de calcário. Perscrutaram o vilarejo que ascendia ao redor de uma encosta montanhosa. Sua arquitetura lembrava as das grandes províncias germânicas, tinha cores e formatos diversos, além de separar por castas os seus aldeões. Os mais ricos ficavam na parte mais baixa e no centro, enquanto os menos afortunados se enfornavam nas periferias, onde alguns dos comércios estiveram instalados desde sempre.

Com as recentes manifestações de estranhos eventos, ambos evitavam dispor as faces ao claro, sabendo que a palidez de seus rostos, por mais que Taú fosse um tanto mais escuro por sua ascendência africana, lhes fossem indicativos de que poderiam ser descobertos perambulando pela cidade e levantar suspeitas daqueles que notavam os pequenos detalhes e aquém apontavam seus dedos com indiferença e medo.

Juntos eles atravessaram pelo vilarejo e tomaram o atalho que seguia pelo comércio mais próximo. Mas, ao adentrar no lugar, seus instintos ascenderam para algo incomum que fez com que Valentin olhasse duas vezes para uma mulher e, ao perde-la de seu campo visual, olhar mais uma vez para o lado, onde, ao passar, percebia que as pessoas paravam de falar e mesmo pelas quais já haviam passado, não voltavam a falar.

Então freou Taú e os dois olharam para trás.

E encontraram todas as pessoas paradas, com olhares cinzentos e claramente imersos em hipnose.

Eles olharam para frente e se depararam não mais com um, mas com todos os comerciantes e clientes olhando-os num silêncio caótico.

— Nada bom.

— Você acha?

— Hail... Ka... Huru — uma mulher ao lado de Valentin resmungou.

Taú aproximou-se do companheiro e os dois se preparam.

— Deveríamos atacar e depois correr ou... correr e depois atacar?

— Hail... Ka... Huru.

— Nós nunca fugimos — Taú mergulhou as mãos em suas vestes e delas puxou seu amuleto de sorte; um colar de prata com o emblema de um triangulo envolto por um círculo.

Enquanto que Valentin firmou-se no chão e ambos vislumbraram a multidão caminhando a sua direção, um passo por vez, o rogo constante "Hail Ka Huru" e grandes mãos aproximando-se antes que fizessem seus primeiros movimentos. O amontoado os cercou, mas eles tinham força e disposição suficientes para enfrentar todos ao mesmo tempo, um a um, sobre chutes, tapas, empurrões e socos. Taú empurrou um deles na direção do companheiro que já o esperava com o punho no ar e esmagou seu lado esquerdo num golpe certeiro que o jogou para cima de outros dois e sobre uma barraca de legumes.

Eles continuavam a se juntar, mas os dois bravos uniram forças para não esmorecer.

— Ж —

< Grão-Inquisidor Heinrich Harz >

Comoção reverberava através do auditório da grande igreja de Mitral. Vozes, sons, exigências e a celebre presença do arcebispo Adam, um homem untuoso de feições sombrias e profundas, cabelos ralos, pele clara e olhos cinzentos, fizeram aquele encontro ante o inquisidor uma verdadeira provação aos indulgentes aldeões, que em sumo acreditavam na inocência de suas mulheres, ao contrário dos que se achavam ornados pelo emblema do crucifixo dourado em seus pescoços.

Enfim, a chegada de Heinrich fez com que o silêncio perseverasse por alguns instantes, antes dos clamores e das exigências.

— Silêncio! — o assistente rugiu.

Sirus: Os Outros Vampiros (Vencedor #TheWattys2020)Onde histórias criam vida. Descubra agora