[9] A ENCOSTA DA ILHA

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O Rio das Almas traia a visão, a audição e quaisquer outros sentidos. A solidão, o silêncio e a paciência com que Taú assumiu, contribuíram para que as vozes voltassem a assaltar sua capacidade de discernir quaisquer coisas e no momento, as únicas certezas que se assomavam a sua mente era a vagueis de respostas concretas.

Como? Quando? Por que estavam mortos os seus pais? De que forma haviam chegado a aquele lugar. E no fim, para onde iriam? Questionou ela. Poderiam de alguma forma eles creem que a encontrariam naquele lugar onde todos acreditavam ser um infinito e deslumbrante jardim onde cultivavam-se flores e servia-se biscoitos com gosto de céu?

Alguém a tocou no braço, despertando-a.

— Você está bem?

Seus olhos vítreos voltaram-se a companheira.

— Estão mortos, Dália... alguém os matou.

— Podem ter sido acometidos por alguma moléstia.

— Não... e-eu sinto que não foi isso. Gozavam de boa saúde até onde eu sabia. Nosso vilarejo, como deve saber, esteve milagrosamente protegido da peste. Nada poderia ter agido tão rápido. Além do mais — ela virou-se e seus olhos estavam opacos, encobertos por uma nuvem obscura de rancor e ira. — eu sinto isso aqui... em meu coração.

— Os instintos não mentem — Valentin cutucou seu braço, fomentando um olhar denso sobre ela, que já não conseguia mais pensar por si só. — Se o Sirus grunhe em seu interior, certamente há um alguém, uma alma que precisa capturar para aplacar a sua agonia, Innamabel. É e sempre será assim... essa é uma das vantagens de ser Sirus; intuímos a verdade, por mais dolorosa ou indigesta que possa ser tanto à primeira vista quanto no fim. Por isso sente que a verdade sobre seus pais não é condiz a realidade.

— Valentin, por favor... não inspire ressentimento nessa garota. É verdade o que ele diz, Inna, mas mais verdadeiro do que se deixar levar pela vontade de se vingar, é tentar substituir esse poderoso sentimento por algo positivo.

Ela aproximou-se perigosamente.

— Como você acha que posso pensar em algo positivo se me tornei um demônio vingativo... Dália? Tudo pelo o que temi, pelo o que a minha doutrina temeu; servir ao Senhor para que sua ira não se...

— Isso é pura balela religiosa, Innamabel — Valentin desdenhou. — Deixe de crer na palavra do homem. O mal existe e não é Deus quem o descarrega sobre nós... somos nós mesmos e aqueles que se negaram a segui-lo, no final das contas.

— Você é o Sirus mais promissor com quem lidamos, Innamabel — disse Taú à frente. — Ainda há luz em você, e onde há luz, há salvação de sua alma.

— Taú quis dizer que é virginal.

— Eu... eu... eu matei duas pessoas a esmo.

— Mas não há culpa em você, é o que importa.

— Já vi que não vai adiantar dizer que tudo ficará bem, porque você sabe que não vai. No fim dessa saga, ou nos redimimos ou nos destruímos. Mas...

De repente, no entanto, Dália ergueu seu rosto acima da cabeça de Innamabel e depois pesadamente se levantou sobre o barco para que vislumbrasse não uma, mas duas vezes uma estranha movimentação sob a agua que culminou com uma ondulação sobre o rio de negritude.

— O que houve? — Valentin observou-a com urgência.

Ela olhou novamente e uma terceira vez; as ondulações sugeriam um distúrbio no curso do rio. E aquilo a atemorizou.

Sirus: Os Outros Vampiros (Vencedor #TheWattys2020)Onde histórias criam vida. Descubra agora