[10] JUDAS, O TRAIDOR

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As aguas vermelhas estavam enfim plácidas novamente, mas o odor pútrido podia ser sentido a qualquer distância e por quem estivesse no reino que vinha acima. Eles marcharam sobre a ponte longa e estreita vigiada por imensas estatuas angelicais, aproximando-se de uma curta escada que os levava ao andar superior e a um altar ritualístico onde notaram a presença de algo erguido ao ar. Madeira apregoada no formato de três cruzes e o que parecia ser um corpo suspenso pelos braços, trajado em roupas de trapos, na cruz do meio.

Um homem de aparente meia idade, pele suja e escura, careca, barbudo e tão descarnado que se podia observar os ossos das costelas salientando-se.

Innamabel seguiu logo atrás de Valentin, que destemido, avançava a galope na direção do homem até estar debaixo dele, vislumbrando os céus escuros sobre sua cabeça e o ribombar de raios dourados cruzando-os como uma cicatriz.

— É um mortal?

— Parece, ao menos.

Além de estar enredado a uma cruz que devia medir cerca de dois metros e meio, seus braços estavam envoltos por grossas correntes luminosas e as mãos apregoadas por um par de pregos grosseiros. Abaixo, uma inscrição em hebraico.

Yehudhah ish Qeryoth

— Judas... Iscariotes — sibilou as mumificadas expressões de Taú, que moveu-se pesadamente para erguer a cabeça, agora parcialmente encoberta pela carne de sua mortalidade.

— O mesmo Judas bíblico? — perguntou Dália.

— Icônico. Não me admira que um salafrário como este tenha recebido apenas a insanidade e a morte como punição... certamente esse lugar é bem mais apropriado não apenas para ele, mas para todos os seus semelhantes — Valentin sorriu ao observa-lo, antes de cutuca-lo com o cabo de seu machado.

— Quem será que estava nas outras duas cruzes?

— Vai lá saber...

E todos se assustaram quanto o suspiro esganiçado do homem que parecia retornar a vida de tão profundo que somou ar aos seus pulmões.

— Q-quem são?

— Satanases sobre a terra, homem. O que faz ai?

— Como está se comunicando em nossa língua?

— Vai ver os mortos saibam muitas línguas — Valentin deu de ombros, indiferente.

— Acabem com a minha dor. Tirem-me... daqui. Tirem-me... daqui!

— Sua sina é dignamente merecida — Valentin cerrou as faces.

— Judas... como veio parar nesse lugar?

Innamabel havia crescido com a fé imposta, por isso reconhecia tal homem como sendo o traidor do Filho, aquele que vendeu a única salvação da humanidade por não mais que 30 dobrões de prata e foi devorado desde o espirito pelo justo retorno do Senhor.

O velho encarou as mãos apregoadas, tentando reagir a dor esmagadora nas mãos imoveis.

— Fui enganado a vida toda.

— Enganou-se quanto sua própria ambição... comovente, homem.

Os barulhos das correntes eram o ânimo a aquele mórbido ambiente.

— Me tirem daqui... me tirem daqui. Eu não mereço tal agonia para todo sempre!

Valentin arremessou seu machado sobre as costas e deu meia volta.

— Vamos indo.

— Espera! — rugiu o homem. — Por favor... tirem-me daqui.

Innamabel encarou o velho homem com uma incógnita crescente. Sabendo que as escolhas que transformaram a sina de Judas tão dolorosa, a quais pés estaria ela se aceitasse acatar a sua própria e decidir-se por vingar os pais, vingar-se de quem a fez mal em vida?

Sirus: Os Outros Vampiros (Vencedor #TheWattys2020)Onde histórias criam vida. Descubra agora