[28] DESIGNIOS

71 19 0
                                    


Innamabel sentiu uma esmagadora pressão sob a nuca ao retomar a consciência. Moveu-se pesadamente para um lado e depois para o outro, sentindo estar encostada contra uma parede num lugar úmido e frio, por onde, muito próximo a ela, aguas sujas transpassavam initerruptamente.

Ela balançou a cabeça, tocou a têmpora esquerda e percebeu ser observada de perto por um rapaz negro que, notando seu despertar, assustou-se e recuou para detrás de um curto muro irregular que escalonava a partir do chão, como se fosse uma escada irregular. Ela olhou ao redor, notando de pronto que não estava em lugar algum que lhe fosse conhecido. Do contrário, sentiu ânsia de vomito ao estar diante de um canal de esgoto mal iluminado e cercado por grossas paredes de bloco, construída séculos antes.

Ali, ao erguer a cabeça, percebeu os olhos brilhantes do rapaz escondido, até expressar um grunhido que chamou a atenção de outras vozes que os cercavam. Ela moveu-se e pôs-se de pé tão rápido quanto pode, observando através de seu peito que uma grande ferida ainda cicatrizava.

Então, estava cercada, não por um, mas por uma dúzia de silhuetas que só ganharam alguma forma estando a meia luz improvisada nos cantos e que espiavam-na em silêncio ao fim de tudo.

— Quem são vocês? — ela girou e buscou direcionamento, talvez uma saída segura daquele lugar.

— Somos os Soturnos — declamou uma voz feminina grossa que demonstrou-se antes através de uma silhueta para só então surgir através da penumbra. Uma mulher negra, alta, com cabelos presos em tranças grosseiras e olhos cinzentos, como se estivessem sem brilho, sem cor, sem vida. — Não precisa temer... somos seus irmãos, somos todos Sirus.

Ela suspirou, surpresa.

— Onde está Silene?

— A mulher que protegia? Repousa bem ali. Demos-lhe uma infusão de ervas e tentamos conforta-la. Seu estado é precário. Chamo-me por Madelaine.

Innamabel ainda não parecia cômoda quanto os olhares em meio à sombra que a observavam desconfiados, talvez confusos, provavelmente tão assustados quanto o homem que da escadaria que havia se escondido, amedrontado.

— Innamabel — disse. — Onde estamos?

— Nos refugiamos nos canais de esgoto há séculos. Se falas minha língua, certamente descende dessa terra — ela aproximou-se, e finalmente notou Innamabel, que a mulher era mais alta e aparentemente mais velha do que ela em muitos anos. — É a primeira com quem tratamos em muito tempo. Por favor, não fiqueis irrequieta quanto a nossa presença... há muito prestamos reservas para não ferir ninguém, seja Sirus ou Verndare ou homem.

— Há séculos... mas... por que não estão dissecados?

— Seus olhos é que não enxergam tudo.

A meia luz, bem pouco podia ser visto naquele lugar, mas, das únicas coisas visíveis, o esgoto correndo até uma comporta que retraia o lixo e cujo odor era acrescido dos seus habitantes foi o que mais incomodou Innamabel.

Morte, silêncio e contingencia habitavam aquele lugar distante e fantástico. Quando olhou de volta, soube de pronto que o disfarce deles estava na umbra e que, ao contrário do que pensava, não apenas Madelaine, mas todos eles eram quase esqueléticos e hórridos.

— Silene... recupera-se?

— Não sei se sobrevive, mas fiz o possível para resguarda-la e amenizar a sua dor com receitas de cura.

— Fala com erudição...

— Fui física da peste duzentos anos antes.

— E o que fazem neste lugar desolado?

Sirus: Os Outros Vampiros (Vencedor #TheWattys2020)Onde histórias criam vida. Descubra agora