Provada pela vida, mesmo que tendo durado não muito mais que duas décadas e regredido após uma incógnita morte, Innamabel sempre esteve sobre uma corda oscilante, muito próxima de arrebentar e faze-la perder-se em sua própria ignorância e inexperiência com os maus sentimentos que sempre estiveram em seu coração.
Naquele instante em que indicou Valentin que devia cobrir os olhos com algum pano, ela não soube precisar qual era sua estratégia, mas lembrou logo de quando ele havia dito que seria mais fácil sair daquele lugar do que entrar. E estava certo ele, mesmo que sobre a insegurança da mulher que apertou os lábios antes de, auxiliada por Dália, fazer o que havia lhe sido proposto.
— Muito bem... — suspirou Valentin. — Não parem de correr.
— É assim que... retornaremos para casa?
— Se não houver uma pedra ou uma parede em nosso caminho, sim.
— Ao entrar, nunca vire a direita — ditou Taú, com seu tamanho imponente e o hálito frio sobre o rosto da jovem que apenas ergueu a sobrancelha, curiosa com o que poderia haver no "lado direito" ou quais seriam as consequências de fazê-lo.
Ela ajustou a tala nos olhos e permitiu ser cercada pela escuridão, algo comum desde que aventuraram-se através da morte, do que ela havia visto naquele reino, naquela criatura blasfema e indescritível que devorava os seus irmãos como petiscos.
Estavam eles mais uma vez diante da ponte sobre o cais do Rio das Almas, onde ouvia-se apenas os silvos distantes, talvez uma ou outra borbulha vez em quando. Então, com um toque em seu ombro, Innamabel apertou seu passo o quanto pode e até onde, sem saber ela, pararia.
O Rio estava à frente — pensou ela, lembrando o que havia acontecido ao traidor do Filho quando ali caiu; suas mãos acima da agua, seu grito engasgado e depois o silêncio, mas acreditou que daria certo e não parou de correr sequer um instante, deixando de acreditar que o fim do cais chegaria em algum momento.
Então, quando abriu os olhos por dentro da tala, surpreendeu-se por não apenas ter perdido toda a luz que a cercava, mas também de estar mais uma vez no Corredor Escuro; a luz que via naquele dia vinha do mesmo lugar de onde tinha partido, agora estando as suas costas, e para onde, decidiu, não queria voltar mais. Talvez se sentisse perdida, mas acatou o pedido de nunca virar à direita.
Agora andando, ela olhou para ambos os lados através do corredor estreito e nada via, parecia sozinha, somente ela e a crescente ansiedade de que algo pudesse sair das paredes e mais uma vez devorasse.
Mas, se um Sirus ela havia se tornado, por que deveria temer ser possuída mais uma vez? A morte já havia a reclamado, a sensação de sufocar-se, sentir a garganta queimar e a boca, num azedo que enrugou seus lábios e incapacitada de sibilar um clamor por ajuda, já havia a devastado, assim como tudo o que havia acontecido em sequência. Lembrou-se dos pais sobre o barco em silêncio, transportados por um ser de rosto coberto que se guiava por uma fantasmagórica lamparina junto a milhares de outras almas, transportando-as numa longa jornada rumo a ascensão ou a destruição.
Então parou, abraçou os próprios braços e olhou ao redor, crente de que veria, sentiria ou ouviria algo. Mas tudo lhe era aterrorizante, e diferente do pesado no qual poderia abrir os olhos e tentar recuperar sua respiração enquanto secava o rosto úmido de suor, tudo lhe era muito doloroso, mesmo que dor alguma sentisse mais.
Ela ajoelhou-se e engoliu em seco, fechando os olhos mais uma vez.
E foi quando ouviu algo como um suspiro e levantou a cabeça de pressa com um suspiro de resposta, esse que apenas atiçou sua agonia e a fez cair sentada no chão em defensiva ao perceber o que havia a sua frente.
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Sirus: Os Outros Vampiros (Vencedor #TheWattys2020)
Vampire[VENCEDOR DO PRÊMIO #THEWATTYS2020 EM PARANORMAL!] Infeliz em vida e atormentada na morte, Innamabel Gertsner reencarnou, trazida por forças das trevas, após o seu fim precoce e misterioso que pode estar ligado a desavença com os homens da sua vida...