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Janet

Yeosu, Setembro de 1685

O calmo vento da manhã abraçava minha pele enquanto movia de forma teimosa os fios de meu cabelo preso. Tomar sol nos primeiros raios do dia se tornara um passo importante para melhorar a minha saúde. O cheiro de cerejeiras no jardim da nossa casa fez com que o lugar se tornasse o meu refúgio de paz e recanto de boas emoções para se prezar.

Meus dedos ainda insistiam em tocar nas pequenas pétalas rosas claras para sentir a delicadeza nas texturas, mesmo sabendo que seria quase a mesma sensação do dia anterior. O barulho das galhas se movendo e o canto de alguns pequenos pássaros no alto da árvore eram meus sons favoritos. A natureza era a mais formidável e primorosa criação que nossos olhos podiam contemplar livremente, pena que a vida não.

Respirar todos os dias não era mais complacente como antes, se tornou um desafio de todas as matinas desde a perda que sofri a três anos Desconsolo, agonia, afogo eram as marcas deixadas a cada cair das luzes resplandecentes em um longo dia. A fonte das minhas forças e o motivo da minha vontade de ser alguém melhor não estava mais ali comigo.

Jung Merídia, a quarta marquesa da família Jung em Yeosu e minha mãe, falecera de febre consequente da epidemia que permeou por quase dois anos aquela região. Lembro das lágrimas no rosto de papai após buscar por tantas e tantas curas e remédios para fazê-la ficar boa. No fim de tudo, minha doce mãe se tornou uma das demais vítimas mortais durante aqueles tempos difíceis.

Lembro das lágrimas, do choro abafado, dos criados com feições de pesar e pena assim que me viam no final do corredor suplicando por notícias. Prantos, soluços e lamúrias foram os únicos sons entre as paredes da mansão. O vestido que usava naquela noite se tornara trapos jogados pelo chão consequentes do meu desespero. Eu precisava externar aquela dor e o pano, inútil no momento, se tornou minha primeira vítima.

Meu quarto foi um cômoda recorrente de muitas reformas já que depois de cada crise de choro, os objetos arremessados causavam inúmeros estragos e imperfeições nas paredes tão bem pintadas. Eu queria e não queria esquecer aquelas fatídicas lembranças que ainda rodeavam minha mente da forma mais tangível e real que existisse.

Na adolescência, as emoções foram fortes demais e a falta de forças para lidar fez com que eu me afogasse num mar de tristezas e desesperanças. Tudo perdera a cor e a vida diante dos meus olhos. A dor no peito, a falta de ar, a angústia, a tontura que martirizava a mente foram os sintomas que fizeram todos notar a falta da saúde que meu corpo não mais possuía.

Mesmo após anos, ainda sofria de alguns sintomas, mas os espaços entre as crises foram aumentando. O que me deixava ainda mais desolada era ouvir de pessoas tão próximas a mim, críticas e ofensas, "são frescuras" ou "não é motivo para agir como louca". Eles levavam as minhas dores como pura e mera loucura. Para eles, eu era apenas uma garota que perdera a mãe e ficara louca. Nada mais.

─ Jan! Janet!

A voz atravessou meus ouvidos e tirou minha atenção das flores ao virei para a fonte dela.

─ Estou aqui, Dália.

Ela apareceu entre os vasos de plantas com um rosto inundado de preocupação.

Dália era uma jovem com seus longos cabelos, cor de mel que se tornou minha donzela desde meus quinze anos. Cuidadosa e muito dedicada com suas obrigações a fizeram como parte da família e alguém de grande apoio nos momentos difíceis da minha vida nos últimos anos.

─ Senhora, por Deus! Estava preocupada. Demorou mais que o habitual hoje.

Quis rir de seu rosto contorcido em medo. Não entendia o porquê daquilo se ela sempre sabia onde me encontrar.

MARQUESA • kthOnde histórias criam vida. Descubra agora