Já fazia um tempo que havíamos chegado em casa e eu estava preparando nosso jantar. Emma e Amélia, a moça que nos ajudava a manter a limpeza da casa, apareceram para me ajudar e cozinhávamos juntas, cada uma com uma tarefa. Resolvemos fazer algo bem elaborado, ainda que fosse apenas para nós três.
Nos divertíamos enquanto cozinhávamos, cantando, imitando renomados chefes de cozinha e comentando sobre os acontecimentos de hoje. Mas eu me encontrava intrigada e receosa. Hoje mais cedo, durante minha investigação do caso da morte do sr. Wilson, enquanto analisava a cena do crime, encontrei um pedaço rasgado do que parecia ser uma foto, que teria sido partida em quatro. Não pude reconhecer o local nem as pessoas da foto, uma vez que a foto não mostrava muita coisa. Mas foi o suficiente para colocar minha mente em conflito. Algo naquele pedaço me deixava angustiada.
Ao apresentar os fatos e pistas aos outros investigadores, não mencionei sobre esse papel, guardei-o no bolso junto com meus instrumentos de trabalho de modo que ninguém percebesse. Entreguei a Gregson e Jones algumas coisas que poderia direcioná-los no caso. Me concentraria apenas no enigma da foto.
No entanto, procurei não demonstrar essa preocupação para Emma e me dispus em meu melhor estado, o que funcionou por um tempo. Mas Emma me conhece a tempo demais para não desconfiar de nada. Após nosso farto jantar, Amélia dirigiu-se ao seu quarto e Emma sentou-se comigo no sofá.
— Você sabe que não consegue esconder as coisas de mim, né? — ela disse colocando as pernas sobre as minhas. — Quer me contar o que houve?
Emma era minha confidente. Sempre contávamos tudo uma para a outra e não havia ninguém no mundo em quem eu confiasse mais.
— Certo, Em — comecei. — Mas você tem que prometer que nada disso sairá daqui. — Assentiu. — Hoje, enquanto observava a cena do crime, achei esse pedaço de fotografia rasgado. — Mostrei a ela. — A parte mais estranha é que eu sinto ser direcionado a mim, que foi colocado propositalmente em um lugar estratégico para eu achar.
— Poderia pertencer ao sr. Wilson. Por que acha isso?
— Por causa disso — mostrei.
No verso da foto havia um desenho a caneta quase minúsculo de uma borboleta. Desde criança, esse sempre foi meu inseto favorito, não é à toa que crio e cuido do meu próprio borboletário.
— Talvez seja apenas uma coincidência, Lena. — Emma disse, apertando meu ombro de leve. — Acredito que uma preocupação a mais é tudo que você não precisa agora. Tente descansar, está bem?
Concordei com a cabeça e lhe dei um sorriso, mas no fundo eu sabia que havia alguma coisa que implorava para ser descoberta.
Emma retirou-se para tomar banho e eu subi no terraço para regar as plantas e decorar o borboletário com as recentes compras que fiz. Adentrando a pequena estufa, caminhei observando cada borboleta e seu desenvolvimento. Cada espécie com suas diferentes e únicas cores, formatos e tamanhos. Eu adorava aquele lugar.
Enquanto jogava água nas Lantanas e nos Hibíscos, um pedaço de papel dobrado dentro de um dos vasos me chamou atenção. Peguei-o e abri.
"Tarde demais para solucionar esse caso. Não deixei mais nenhum rastro. Nem mesmo para você e suas habilidades, detetive Elena. Aconselho que se acostume com a sensação de derrota. Aliás, seu trabalho com as borboletas é admirável. P.S: sabe quem sou"
As peças começaram a encaixar-se em minha cabeça. Essa foi a confirmação de que aquela pista realmente era para mim. A borboleta no fundo da foto, o bilhete em um lugar propriamente para borboletas. O assassino estava se comunicando comigo. Aquilo não era novidade para mim, mas por que matar alguém com a finalidade de me derrotar? Por que a foto rasgada? Do que a mesma se tratava? Seria sua intenção completar a foto? Eu o conhecia? Ele que ser descoberto? Eu preciso descobrir isso antes que mais alguém morra.
As palavras "sabe quem sou" insistiam em piscar na minha cabeça como uma placa de circo durante toda a noite, extinguindo qualquer vestígio de sono. Vencida pela inquietação, levantei-me da cama, vesti meu casaco e sai de casa, trancando a porta ao passar por ela e levando comigo um revólver. Se acontecesse o que eu estava prevendo, eu precisaria me proteger. Já passava das 2 horas da manhã e, portanto, já não havia mais ninguém na rua além de um carro ou outro.
Caminhei toda a Westbourne Grove, observando cada comércio fechado e como eram diferentes comparando-os com o movimento do dia. A noite era fria e isso não me causava desconforto, nem mesmo o vento que batia em meu rosto. Me repreendia cada vez que ousava a pensar nos dizeres daquele bilhete, precisava esvaziar a cabeça para enchê-la novamente com novas percepções.
Enquanto fazia o caminho de volta para casa, ouvi passos vagarosos e pesados atrás de mim. Sem olhar para trás, caminhei um pouco mais rápido e levei a mão à arma em minha cintura. Os passos pararam.
— Relaxe, detetive. Sua arma não será necessária — uma voz grossa masculina projetou-se à alguns passos de mim. Ouvi-o fungar.
Eu parei de andar e, com um sorriso sarcástico, rodei-me nos calcanhares, me deparando com uma sombra alta e forte. Não pude enxergar ou reconhecer nem mesmo a cor das roupas do sujeito por estar no escuro, apenas seu par de botas, mas sabia que ele conseguia me ver, uma vez que me encontrava em uma parte iluminada pelo poste de luz da calçada.
— Não é você quem determina isso. — Disse, ainda pressionando o metal. — A que devo a desonra de sua companhia em minha caminhada noturna?
— Como mencionado no bilhete, você não terá acesso a mais nenhum vestígio. Não perca seu tempo. — Disse a voz grave. — Se eu fosse você, não esperaria a fotografia se completar, são acompanhadas de acontecimentos desagradáveis. — Cantarolou, virando a esquina.
Antes de voltar ao caminho de volta para casa, fui até o local de onde a voz vinha e, observando o chão, foi possível perceber duas gotas de sangue. Ele estava ferido? Se envolveu em alguma briga? Não. Havia outra explicação. Isso definitivamente tem relação com as manchas e gotas de sangue deixadas na casa do sr. Wilson. Foi esse o sangue utilizado para escrever a palavra "rache" na parede. É evidente que busca vingança, então preciso descobrir do que ele quer vingar-se.
Por mais contraditório que possa parecer, conversar com o assassino elucidou minhas ideias e me fez compreender seus planos. Ele queria me enfraquecer, não apenas comigo mesma, mas diante de outras autoridades. Ele já havia preparado essas pistas direcionadas a mim, os pedaços de foto tinham a finalidade de me afetar. Eu só não poderia permitir que ele matasse mais pessoas a fim de me desestabilizar, precisava estar à sua frente.
Por não conseguir mais evidências contra esse assassino, esse tornou-se o primeiro caso que não pude solucionar, fazendo-se inesquecível. O mais intrigante de tudo isso é que era exatamente isso que ele almejava.
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Um Estudo em Vermelho
FanfictionDepois da morte de seus pais, Elena cresceu determinada a encontrar o assassino, sua motivação e dar a ele um desfecho merecido. Estudou a investigação durante anos; se especializou em diversas áreas; aprofundou-se em assuntos que para os outros era...