Capítulo 6

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— Mais uma vez. – Disse Cecilia pela quinta vez nos últimos minutos.

       Estávamos perto da área dos ringues, após a mesma ter treinado por algumas horas aquela manhã. Antes de ir para o treino, ela havia passado na cabana para dizer que achava que estava na hora de começar a treinar a musculatura das minhas asas. Marcamos de nos encontrar uma hora após e treino, e aqui estávamos nos.

        Suor já escorria por minha coluna. Por mais que fossem movimentos básicos de abrir e fechar, levantar e abaixar as asas, a falta de treino e exercícios, e o fato de que ainda estavam doloridas por conta dos ferimentos, faziam que um ruído de dor saísse da minha garganta a cada tentativa.

          Respirei fundo e me levantei da pedra na qual estava sentada, coloquei uma mão no pinheiro a frente para ajudar com o equilíbrio e comecei a esticar as asas. Estiquei-as o máximo possível, prendendo o ar pelo esforço, e fechei logo em seguida. Repeti o movimento duas vezes antes de desabar no chão.

— Chega por hoje. – A illyriana disse, me jogando uma toalha para enxugar o suor da testa e sentando ao meu lado. – O que aconteceu para elas ficarem assim?

         Minha respiração estava pesada e desregulada, então o tempo que gastara para formular a resposta em minha mente, não levantara suspeita.

— Castigo por possuir a língua grande e experimentos. – E era a verdade. Cada vez que eu desobedecia ou provocava tanto os soldados humanos, quanto o rei hybern, eles me castigavam ferindo minhas asas. Fora as pragas que o rei tentava criar usando elas.

— Azriel contou que lhe encontrou nas terras humanas, fora capturada na guerra?

         Só a menção daquele nome fazia com que meu café da manhã virasse chumbo no estomago. Sabia que o mestre espião não tinha acreditado na minha história, mas esperava que demorasse um pouco antes dele vim atrás da verdade. Que pelo menos minha magia estivesse restaurada para poder usar como prova da minha história.

         Quando acordei essa manhã, depois de ter outro pesadelo ou lembrança naquela masmorra de Hybern, uma faísca de poder saltou de mim por conta do susto e disparou contra um vaso que estava posto perto da pequena janela no quarto, estraçalhando em pequenos pedaços verdes . Aquilo fora uma ótima notícia, tirando pelo fato que não consegui usar ele mais nenhum depois do incidente. Eu podia senti-lo, sua essência, lutando para voltar, mas conjura-lo já era outra coisa.

— Sim. Estava no acampamento esperando a batalha acabar, e então fui raptada.

— Então é uma curandeira? – Sorriu de lado.

— Consigo me virar. – Respondi dando de ombros. O que fora uma mentira totalmente deslavada, era ótima em criar ferimentos em mim e nos outros, agora cura-los, não mesmo.

   Pensando nisso, uma ideia me surgiu.

— Acha que poderíamos treinar um pouco? – Virei o rosto para encara-la. – Digo, com espadas.  

    A fêmea parou para refletir um pouco antes de responder:

— Se Devlon não nos pegar, não teremos problemas. – Certo, aquilo era um problema. Mas então ela continuou – Hoje ele encerrou os treinos mais cedo, deve ter ido para alguma reunião com os outros senhores – deu de ombros – ele não comenta muito quando estamos por perto, odeia o fato de treinarmos.

— E o Grão Senhor garante que os treinos ocorram? – Assentiu.

— Ele e o general. O general frequenta mais o acampamento que o Grão Senhor. – Ela se levantou e me ofereceu a mão para me ajudar a levantar. – Eles não costumam visitar seu acampamento, né?

        Minha resposta foi interrompida por uma estranha pulsão que começou dentro de mim. Magia, só podia ser um sinal do meu poder se restaurando. Uma sensação de queimação crescia em meu interior e me agitei enquanto aquilo se ascendia.

       Então senti, por mínimos instantes, um puxão. Olhei para trás como se a sensação tivesse vindo de algo dali. Nada, não havia nada.

       Talvez ao retornar, depois de todos esses anos, e todos os venenos e experimentos que ocorreram com ela, minha magia estivesse sem controle e se manifestaria de maneira confusa.

— Está aí? - Cecilia me chamou. Olhei em sua direção retomando os sentidos.

— Desculpa, eu só... deixe para lá. O que estávamos falando?

— Não importa – deu de ombros – venha, vamos pegar as espadas.

        Fomos caminhando até um deposito de madeira onde eram guardadas as espadas, adagas, escudos, arcos e flechas. Enquanto ela pegava o que precisávamos, dei uma última olhada ao redor, como se fosse encontrar a resposta para o que estava sentindo.

— Aqui. – Cecilia me ofereceu uma espada de curto alcance, com o cabo dourado. Em seu corpo algumas runas illyrianas estavam cravadas. Aquele tipo de espada proporcionava uma melhor velocidade e agilidade nos movimentos ao contrário de uma espada larga, que em compensação, possui maior poder de ataque.

         A sensação do metal gelado em minhas mãos era tão familiar, que me peguei sorrindo enquanto analisava a arma durante trajeto até entre os pinheiros após a área de treino.

         A fêmea negra em minha frente ainda trajava a armadura illyriana e os cabelos crespos devidamente trançados lhe davam ainda mais o ar de guerreira. Seus olhos negros brilharam no momento em que assumiu a posição de combate.

         Ela nascera para aquilo, para vestir uma armadura e empunhar uma espada. As asas abriram de leve e um sorriso nasceu em seus lábios. E quando nossas espadas se chocaram, eu quase esqueci daquela sensação estranha que pairava sobre mim.

         Quase. 

Corte de sombras e esperançaOnde histórias criam vida. Descubra agora