Capítulo 33

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— Você perdeu a porra da sua cabeça?

Era a terceira vez que Cassian fazia a mesma pergunta.

Estávamos na melhor cabana que o acampamento podia oferecer depois que Cassia pediu, ou melhor, exigiu que Kol mostrasse para nós. Por sorte a cabana estava vazia, desconfio que desde a morte do antigo comandante.

Antes de fazer a exigência, Cassian falou que era para irmos para o lugar no qual eu passei a noite para conversar em particupar, e quando nem eu nem Kol respondemos eu pensei que Cassian explodiria, até que olhei para Azriel, e podia jurar que ele estava lutando para manter as sombras ao redor dele e não da garganta de Kol. Eu nunca havia visto tanta fúria em seus olhos, os sete sifões reluziam como se estivesse esperando apenas uma respiração em falso para disparar aquele poder antigo e brutal.

— Você está me ouvindo?

— Não sou surda.

— Não, só é doida. O que você estava pensando quando veio para cá? Ah, já sei, você não estava pensando. — Cuspiu.

Meu coração começou a bater mais rápido e minha raiva aumentou. Bastava daquele show. Ele não mandava em mim, ninguém mandava. Grunhi na direção dele e ele grunhiu de volta. Os olhos avelãs brilhando em desafio.

Idiota. Ele duvidava que eu pudesse machuca-lo, mal podia esperar.

Me inclinei em sua direção, mas antes que conseguisse dar o segundo passo a voz fria como a meia noite invadiu o cômodo.

— Você vem para casa conosco.

Empurrei o nó que se formou no meu estômago e me virei lentamente para ele.

Azriel estava encostado na parede, com as sobras ao redor do corpo. Elas quase o engoliam, era como se ele estivesse ali e no instante seguinte não. A não ser pelos olhos que estavam fixos em mim.

— E vocês que vão me obrigar? — Soltei uma risada irônica.

Ele nem sequer piscou. As sombras dispersaram mais do seu rosto e pescoço e ele deu um passo à frente.

— Rhysand precisa de você.

— Não diga o nome dele.

— Ele é seu...

— Nem sequer termine. — Cortei com a voz sobressaltada.

A feição dele se suavizou como se ele lembrasse o que havia acontecido. Mas então retomou a fala:

— Ele é seu Grão Senhor.

— Não, não é. Nunca cheguei a jurar lealdade a ele ou você esqueceu onde eu estava quando ele ganhou a coroa?

Eu podia muito bem ter o socado e tinha a plena certeza de que teria um efeito menos dolorido no mestre espião do que aquelas palavras.

— Já chega. — Cassian entrou no meu campo de visão — Se você não quer vim conosco então eu ficarei nesse inferno com você.

— Você tem seu próprio inferno para cuidar, Comandante. Além do mais, duvido que Nestha irá aceitar vim para cá de bom grado, acredite, eu tentei. — Lhe lancei uma piscadinha.

— Você o que? — Grunhiu.

— Vá para casa, você não ficará aqui.

— Não. — e o timbre da voz de Azriel dessa vez me fez estremecer — Mas eu irei.

Aquilo já havia ido longe demais. Quem infernos eles pensavam que eram para se meter na minha vida?

— Eu não o quero aqui.

— Não é sua decisão.

Desgraçado arrogante.

— Não é, mas por nenhum inferno ficarei na mesma cabana que você e os outros podem me odiar mas duvido que me negarão ficar aqui depois de descobri quem eu sou. Mas e você? Ninguém oferecerá mais do que uma tenta para um bastardo bruto. Então pelo que me diz respeito você pode congelar lá fora.

Eu havia ido longe demais e sabia. Uma parte minha queria gritar e pedir desculpas, mas a outra olhava para aquele macho na minha frente, que me acolheu e me fez promessas e só conseguia enxergar sua traição.

Azriel recuou um passo, a feição como se fosse vomitar por alguns instantes, mas logo em seguida retomou a máscara fria. Ele começou a caminhar em minha direção e ficou tão perto que eu podia sentir o calor que emanava daquele corpo forte e poderoso.

Azriel abaixou o olhar para mim e em nenhum momento eu recuei.

— Não se preocupe, de noite acharei meu próprio lugar, não preciso de nada que venha desses desgraçados — uma pausa — ficarei durante o resto do tempo para me certificar que você está viva e que ninguém a machuque.

Ninguém a machuque nunca mais. Aquelas malditas palavras.

Mas antes que eu pudesse falar qualquer coisa as sombras subiram deixando o rastro no lugar onde Azriel estava.

Cassian havia saído logo após o mestre espião, e batendo a porta tao forte que senti a cabana estremecer.

Eu havia ido longe demais, as palavras atingiram Azriel em cheio, em nenhuma outra circunstância eu falaria aquilo para ele, mas que infernos ele achava que podia me controlar ou exigir que eu voltasse com eles.

As coisas ficariam mais complicadas agora, com todo mundo sabendo quem eu era e com o mestre espião rondando o acampamento. Se antes parecia difícil conseguir treinar com os illyrianos, agora parecia impossível. Mas deveria ter um jeito, teria que ter um jeito.

O dia acabou e eu não sai da cabana. A verdade foi que fiquei o resto do dia trancada dentro do quarto no andar superior me afundando na minha própria miséria. Quando a noite caiu e meu estomago roncou decidi que estava na hora de ir procurar algo para comer.

No momento que entrei na sala havia uma sexta com ensopado e pão. Azriel ou Cassian deveria ter voltado e a deixado ali. A vontade que eu tinha era de jogar tudo na parede e gritar ate que a montanha mais próxima caísse em cima deles. Mas de novo, não era burra, e não recusaria alimento naqueles confins congelante. Sentei e saboreei cada maldito pedaço.

Saciada subi para o quarto e me sentei no banco para a janela.

O ceu estava limpo e as estrelas pareciam dizer olá. Não sabia se era algo relacionado a nossa linhagem, mas eu sempre fui apaixonada pele céu noturno. Enquanto para muitos a noite podia ser escabrosa e assustadora, para mim trazia paz e tranquilidade. Por um momento considerei em abrir a janela e voar naquele ceu estrelado só para esquecer os meus problemas, mas então algo chamou minha atenção.

Apertei os olhos para distinguir melhor. Kol andava em direção ao limite do acampamento com uma pequena tocha nas mãos. Será que estava tentando caçar escondido novamente?

Como infernos ele me trataria no dia seguinte? O desprezo pelo Grão Senhor e o seu círculo íntimo era evidente, o quanto será que isso se estendia a mim? Será que ele, que eles, sabiam toda a minha história?

Kol olhou para trás como se quisesse ter a certeza que ninguém o havia visto. Por um momento quis levantar e ir atrás dele. Mas ao invés disso, deixei que minha mente vagasse por perguntas que eu não poderia responder enquanto o illyriano sumia na escuridão da floresta.

Corte de sombras e esperançaOnde histórias criam vida. Descubra agora