Diário de Oscar Andrade - 29/06/2021

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    “Querido diário,
    As roseiras têm um aroma especial. Transmitem uma aura parecida à degustação de um bom café nas manhãs frívolas. E, como que por preguiça, considero as manhãs gélidas dos finais de semana como as melhores. Períodos onde a mais pura pacificação pode ser observada nas ruas. Onde o Sol se assemelha ao luar por sua discreta aparição, omitindo-se a favor do desabrochamento das nuvens. E as nuvens em si, ó, que formosas! Tais magnitudes misteriosas, que se opõem veementemente à certeza áspera do verão, mas que não se afogam na incerteza deprimente da Lua. São elas, as nuvens, que permitem o gorjeio dos pássaros angelicais, os ruídos das folhas de árvore que desbotam pacificamente, a brisa fria e quente numa manhã invernal. Esses elementos alinhados compõem com pulcritude o mais belo repouso, vazio de aforismos e tristezas, num equilíbrio perfeito onde a única coisa que se percebe é a paz do silêncio.
    Tal horário é, porquanto, perfeito para uma reflexão calorosa, e até às reflexões deprimidas. A brisa enxugada pelo nariz consegue escapar novamente pelo mesmo, deixando seu broto e seu semblante reservados dentro de uma pessoa. E há aqueles que, por acaso ou decisão, regam o broto das brisas eternas, permitindo o nascimento de uma formosura contagiante. Como posso negar tais propriedades absurdas, se sinto isso de tal modo cravado em mim?
    Não posso me desmentir, pois estou falando a verdade. A que beleza poética estaria disposta o fim súbito da amargura suprema, sendo substituída por um sentimento inigualável de intensidade inexplicável? Que faço senão lançar-me ao soneto eterno, ao acalanto irreparável, à vicissitude primaveril dos tons rubros que me acolhem? Como poderei, mesmo que brevemente, desamarrar meu corpo nu e frágil desta teia?
    Há um único modo, contudo. Um modo de descobrir uma profanidade inexistente no vigor da paixão, um modo de reclusão e autoflagelo sentimental, infinitamente mais doloroso e vadio do que o fisiológico. Um modo de negar-se capaz de quaisquer atitudes, um modo de ver-se morto no prejuízo da ingenuidade e na desilusão dos conceitos angelicais em que tanto se fixava anteriormente. Eu sinto isso.
    Não estou preparado para nada — e, na realidade, nunca estive. Que obstáculos posso percorrer se perpassam as ideias mais estúpidas em minha mente fraca? Que posso dizer se não consigo sequer escrever com exatidão o que possuo?
    A manhã está congelante. O Sol está aquecido demais e me afeta gravemente. Não há mais nuvens no céu. Não há mais brisa. Consigo ver meu reflexo no espelho, e isso me atormenta de tal modo que tento esquivar da verdade, mas ela é infalível. Já não quero mais escrever. Por onde olho, tudo está muito quente ou frio. Não há meio-termo, mas o frio desconfortável prevalece. Que há aqui, solene e taciturno, senão minh’alma destroçada e soturna? Por que me sinto tão atingido?
    Subitamente, a inconformidade da falta de amor vitalício me consome, em sumo, em soma, consumada mente. A felicidade é uma ilusão, uma blasfêmia eufemística das propagandas parnasianas dos mais sofísticos poetas! Não há sequer sentido para a minha reles vida, ígnea e desgraçada, em que me encontro destroçado, interna e externamente. Os mais fluviais dilúvios não percorrem e ardem a minha garganta. São ilusórios. 

    De repente, me questiono. Que haveria de ter se o cume do estrume supremo não percorre até mim, mas eu percorro até ele? Há uma significância muito maior por trás das cortinas frágeis dos corações, dos lirismos exacerbados que os trovadores cantam poeticamente, das flores apaixonadas que desabrocham nos varais da vida. Não pude ainda sentir o aroma do conforto supremo, e tal ultraje me avassala e corrói veementemente. Mas não é por isso, não, não é por isso que sofrerei do amargo negacionismo do mundo. Estarei firme contra tudo, até que os mares de males se esvaiam na minha frente! Lutarei contra as injustiças firmes da discórdia! E assim, porquanto, descobrirei a suprema e verdadeira vida!”

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