Capítulo 03 - Isla

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Minha cama não é a mais confortável que se encontra no mercado, ela range a cada movimento meu, é baixa e o colchão de mais de 10 anos me causa uma dor na lombar digna de remédios, como se eu tivesse me exercitado da maneira errada durante toda a noite. Então, quando abro os olhos depois de uma noite mal dormida, a primeira coisa que faço é encarar o teto de gesso, que está meio amarelado de quando o vizinho de cima furou um cano, o que resultou em uma verdadeira cachoeira dentro do meu quarto, depois disso pego meu celular para checar as horas, sabendo que já se passava das 10:00 da manhã, mas me assustando ao perceber que, na verdade, o ponteiro marcava 13:47. Depois disso, checo o WhatsApp, encontrando mensagens de minhas amigas, inclusive Liz que passou a noite fora, fato confirmado por sua cama perfeitamente arrumada ao meu lado, do jeito que havia deixado na noite anterior, enquanto a minha parte do quarto contava com roupas jogadas no chão, assim como maquiagens e pincéis jogados na penteadeira.

— Bom dia dorminhoca, achei que tivesse morrido. — Liz disse, assim que retornei sua ligação. Com sua fala, tomei coragem de levantar da cama e caminhar até o banheiro, minha aparência estava horrível, o cabelo bagunçado e rosto desenhado como um panda, afinal, não tinha tirado a maquiagem na noite anterior. ''Bem vindos a minha rotina de pele, pessoal'' pensei, como se estivesse apresentando um vídeo no Youtube como aquelas youtubers famosas.

— Você vai para a casa de estranhos no meio da madrugada e eu que preciso dar satisfação, Liz? Era mais fácil algo ter acontecido com você do que comigo.

— Alguém acordou irritada? Só queria conferir se estava tudo bem, grossa.

Respirei fundo, bochechando a água para tirar a pasta de dente e antes de responder, cuspi tudo na pia.

— Desculpa, acabei de acordar. Mas o que foi? Você nunca me liga só para saber se está tudo bem, deixa eu adivinhar, está presa e precisa que eu pague a fiança? Desculpa, não tenho dinheiro, vai ter que passar uns dias aí e esperar um defensor.

Aquela era minha tentativa de lidar com o mal humor matinal? Sim. Isso porquê Elizabeth é aquele tipo de pessoa que acorda com passarinhos cantando ao seu redor e o Sol brilhando como em um dia de verão, mesmo que para todos esteja caindo uma tempestade. Ainda assim, aquele tipo de piada era o meu modo de ter um pouquinho de otimismo para começar o dia, mesmo que eu precisasse de alguns minutos quieta para absorver a informação de que estava acordada e, depois, socializar com as pessoas.

— Não fui presa, ainda. Mas eu vim aqui na agência porquê a Carolina me chamou... — Na hora em que ela ia continuar a falar, pude ouvir uma buzina alta e no mesmo momento parei de tomar o café com medo que ela tivesse sido atropelada no trânsito caótico de Nova Iorque, mas depois de uma série de xingamentos a distância e silêncio da minha parte, ela continuou.

— Acredita que um babaca quase me atropelou? Eu estou na faixa de pedestres e esse escroto quis furar o sinal.

— Amiga, foco. Por que Carolina te chamou na agência? — Perguntei, com medo dela ter recebido uma notícia do tipo ''você está despedida'' ou ''vai ser transferida para a nossa filial de Los Angeles'' até porque ela é uma das minhas poucas amigas no ramo da moda e... bem, com quem eu dividiria o aluguel se ela fosse embora?

— Então, não importa... Mas sabe quem estava lá?? O próprio Jonny Hanton, dono e proprietário da Skin 4 you.

Bufei frustrada pela suposta ''novidade'', aquilo era normal, afinal, o Hanton sempre ia na filial em que trabalhávamos para olhar os portfólios e escolher as modelos que representariam suas marcas em um futuro próximo.

— Tá... E por que você achou isso interessante? Ele vive na agência, Liz. Não é nada demais, deve ter ido pagar o que faltava dos cachês ou algo assim.

— Escuta antes de falar, cara. Ontem, o carinha com quem eu dormi? É o agente dele e ele disse que o Hanton vai abrir mais duas lojas, uma aqui em NY e outra em Paris, você tem noção do que isso significa? — Liz quase gritou de animação do outro lado do celular, de modo que cheguei a afastar o aparelho do meu ouvido, tentando preservar minha audição.

— Que ele vai ficar mais rico do que já é? Enquanto isso a gente ganha 850 dólares.

— Meu Deus, garota. Cala a boca, isso significa...

Quando ela ia continuar, meu telefone apitou, indicando mais uma chamada em espera, ao ver que era Carolina, a gerente da nossa agência, encerrei a conversa com Liz.

— ... que eu preciso atender uma ligação. A propósito, nosso café acabou, pode trazer do mercado? Beijos.

Sequer dei tempo de Elizabeth responder antes de atender Carolina, que dispensava uma boa comunicação social e ia direto para a parte que interessava. Ótimo, ela é minha chefe e não amiga, não há motivos de perguntar ''como está sendo seu dia?''

— Isla? Você consegue chegar aqui na agência em, no máximo, uma hora? Tenho o restante do seu pagamento e mais uma coisa para conversarmos sobre o desfile de ontem.

Engoli em seco enquanto o coração palpitava rapidamente, sabendo que estava ferrada. Minhas fotos não saíram boas? Eu estava com cara de morta ou qualquer coisa desse gênero? Será que irritei Jonny na after-party e agora ele estava descontando meu ''não'' no que eu mais gosto? Ou seja, minha profissão. Meu Deus... procurar outra agência, apresentar meu portfólio, ensaios, ser a novata, torcer para ter trabalhos... só de pensar em passar por tudo isso de novo embrulha meu estômago e me dá vontade de chorar.

— Sim, claro. Aconteceu alguma coisa?

— Só vem, Isla. Não tenho tempo de conversar por ligação.

Desliguei o telefone, respirando fundo por alguns segundos antes de colocar a xícara de café na pia e correr para o banho. A água quente escorrendo por meu corpo merecia uma chance de ser apreciada, mas o desespero fez com que eu lavasse o cabelo correndo para ainda ter tempo de secar e aplicar uma maquiagem que disfarçasse as olheiras e realçasse os olhos e sobrancelhas. Talvez com uma aparência certa, Carolina desistisse da ideia de me demitir? Ela mesma disse que ''meus olhos e sobrancelhas são ótimos para capas de revistas''.

Assim que entrei no elevador, olhei o relógio e percebi que não tinha chance alguma de pegar o metrô e chegar na hora, por isso minha única opção é chamar um UBER que me dá uma facada no bolso ao revelar o valor que cobraria.

— Merda...

Praguejei, pensando na ironia de estar pagando para ir receber minha demissão, ela não podia transferir o restante do meu cachê, como uma pessoa normal, e evitar a humilhação de ser demitida?

E é irônico, por mais que eu não quisesse chegar na agência, as ruas de NY pareciam insuportavelmente mais tranquilas, de modo que em alguns minutos eu estava parada na frente do prédio comercial, encarando meu destino. Como se tivesse acabado de programar o modo de piloto automático, atravessei o saguão de mármore polido, a catraca, apertei o botão do elevador e quando me dei conta, estava na sala de espera, aguardando que Carolina me atendesse. É impressão minha ou a secretária dela tá me olhando com cara de pena?

— Isla? Pode entrar.

 A secretária disse, antes de desviar sua atenção para a tela do computador novamente. Eu já estava ensaiando todos os meus discursos para Carol reconsiderar qualquer decisão negativa, mas assim que abri a porta da sala, não foi a mulher de cabelos curtos que chamou minha atenção e sim uma silhueta masculina de costas.

Jonny Hanton.  

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