Após todos concordarem com a realização do casamento chegou o momento de iniciar os preparativos, organizar a cerimônia e começar o processo de mudança da antiga residência em Lua Clara para a nova casa, na Ilha dos Kedi. Adora e Felina estavam revendo seus objetos pessoais e escolhendo quais iriam levar consigo e quais iriam ser descartados. As primeiras escolhas de descarte foram as antigas roupas da Horda, que traziam a tona muitos lembranças ruins de um passado que já não existia mais. Com muita insistência de sua namorada, Adora se livrou da antiga blusa branca com o símbolo vermelho atrás, pois a gata dizia que, além de não fazer mais sentido ter usado aquela peça por tanto tempo sendo aliada da rebelião, agora na nova moradia ambas teriam roupas bem melhores, que não trouxessem consigo a imagem negativa e degradante associada às experiências ruins que passaram juntas.
Era o momento de se despedir do passado e pensar nos planos para o futuro, começando pelos itens pessoais. Revendo tudo que tinham, a dupla notou que as recordações ainda estavam vivas em suas mentes e que ainda carregavam dentro si as dores e sofrimentos de tempos já findados, mas que deixaram marcas profundas em seus corações. Tiveram a ideia de realizar uma despedida mais completa, revisitando os antigos alojamentos da Zona do Medo e dar um adeus definitivo a tudo que aquele lugar representou para elas um dia. Ambas foram com Scorpia, que gostou de ideia e achou que aquela seria uma excelente forma de superar o passado e pensar no futuro.
A Zona do Medo naquele momento estava às moscas, empoeirada e abandonada. Observando as enormes teias entre as paredes já era possível perceber quem eram os novos habitantes daqueles prédios escuros e esverdeados.
- Esse lugar já esteve mais bem cuidado. - observou Scopria. - Uma boa limpeza cairia bem aqui.
- Sim, aparentemente ninguém retornou aqui depois da derrota da Horda. - concluiu Adora, pensativa.
- Acho que ninguém com bom senso continuaria morando aqui havendo tantos lugares melhores em Etheria. - disse Felina.
- Bem, isso é verdade, mas... - Scorpia interrompeu sua fala e permaneceu reflexiva durante alguns segundos, tendo em seguida uma ideia. - Já sei! E se fizéssemos uma reforma nesses prédios?
- Como assim? - indagaram a loira e a gata.
- Eu sempre estive pensando sobre isso, sobre esse lugar nos remeter a tantas memórias ruins, mas e se a gente o transformasse em outra coisa? E se a gente o mudasse para torná-lo mais positivo, mais alegre? Sei que parte daqui pertencia à minha família, então eu andei pensando que teoricamente, eu teria direito de fazer o que quiser com essas construções. Talvez se eu e Perfuma viéssemos e déssemos uma boa repaginada, colocando mais cores e flores, as pessoas deixariam de associar esses prédios à guerra e criariam um novo significado, uma nova imagem daqui.
- Essa é uma ótima ideia, Scorpia! - respondeu Adora, animada. - Essa seria uma forma perfeita de apagar o que é negativo e dar um aspecto novo para essas edificações. É na verdade o modo ideal de representar a paz e a união que surgiram nesses novos tempos.
- Sendo bem sincera, eu não me importo com o que será feito aqui, não gosto desse lugar de forma alguma, estando enfeitado ou não. - retrucou Felina. - Mas não vou negar que é uma boa ideia, acho que as outras princesas iam gostar muito e isso serviria para pelo menos dar alguma utilidade pra esse espaço todo vazio. Se quiser transformar essa quinquilharia toda em algo útil, então eu apoio.
Scorpia sorriu e abraçou ambas, exaltada com o novo projeto que acabara de criar.
- Mal posso esperar para contar para a Perfuma o que quero fazer! Ela vai adorar!
- Scorpia... Não consigo respirar! - resmungou Felina, irritada.
Adora riu com a reclamação da gata e deu todo o apoio para Scorpia em sua idealização de renovação da Zona do Medo. O trio se retirou do lugar, mais alegre e conversando sobre suas novas perspectivas vindouras. Chegando em Lua Clara, Adora comentou que ainda tinha algumas atividades para fazer antes de fechar suas malas para a mudança.
- Eu queria conversar um pouco com a Esperança da Luz. Não é uma despedida, mas é uma conversa franca. Agora que não preciso mais da tecnologia dos Primeiros para me tornar She-ra e estarei mais concentrada nos assuntos de Lua Minguante, sinto que eu e ela ficaremos afastadas durante um tempo. Não é um adeus definitivo, é um até logo que quero dar.
- Sem problemas, sei que esse é um momento importante para você, é melhor que vá sozinha. Não quero te atrapalhar. Estarei aqui te esperando.
- Obrigada por compreender. - disse Adora enquanto abraçava Felina. - Eu retornarei logo, não se preocupe. Ah, e não se esqueça que combinamos de comer torta com a Madame Rizzo hoje a noite!
- Óbvio que não esqueci! - disse a gata enquanto ria. - Pode ir, mais tarde nos falamos.
As duas deram um beijo de despedida e seguiram seus próprios caminhos. Ninguém ali sabia, mas Felina tinha preparado um momento especial para aquele dia que apenas poderia acontecer com ela sozinha. Sabendo que Adora estaria ocupada e que Cintilante e Arqueiro estariam com Karsi, a gata planejou tudo para que não fosse interrompida. O ato que faria era essencial para que ela superasse o passado e se livrasse de toda a culpa que carregara durante aqueles anos. Carregando consigo um arranjo de flores e caminhando pelo cemitério de Lua Clara, a gata se dirigiu diretamente ao túmulo de Rainha Ângela e se ajoelhou perante a enorme estátua da falecida governante de Lua Clara. A antiga integrante da Horda olhou ao redor e se certificou de que ninguém mais estava no ambiente e observou a figura imponente da estátua, que a encarava de volta como se estivesse julgando-a pelos crimes cometidos. A gata sentiu um arrepio passar pelo seu corpo e abaixou sua cabeça, envergonhada, até que iniciou timidamente seu discurso:
- Err... Eu não sei como começar, é a primeira vez que converso sozinha com uma estátua, me sinto uma completa idiota. - Felina interrompeu sua fala constrangida com o que estava fazendo, mas se recompôs e retomou a palavra. - Mas isso precisa ser feito, eu preciso disso para me livrar dessa culpa que carrego a tendo tempo. Preciso superar o passado para pensar no futuro, como a própria Adora disse. Não posso viver para sempre à sombra dos meus erros, devo seguir adiante. E é por isso que venho aqui para pedir desculpas por todo sofrimento que causei, por todo estrago que fiz e por todo mal que cometi a todos, principalmente a você e sua filha. Cintilante te perdeu por minha causa, todos dizem que não eu tinha como imaginar, mas lá no fundo eu sei que fui totalmente imprudente e irresponsável naquele momento, fui egoísta e por minha causa meus amigos hoje sofrem com sua perda. - a gata parou por alguns segundos para respirar, pois sentiu um forte aperto no peito enquanto as lágrimas escorriam em suas bochechas. - Eu não mereço nada do que tenho agora, mas o que está feito não pode mais ser desfeito. Sinto também que seu sacrifício não pode ter sido em vão, quero garantir isso. Não sei se um dia será capaz de me perdoar, e entendo se isso não for possível, mas quero dar a chance de recomeçarmos nossas vidas, de nós encontrarmos a felicidade juntos, enquanto pudermos. E para isso, a única coisa que posso fazer no momento é pedir desculpas. Por favor, me perdoe por tudo que fiz, infelizmente não posso voltar atrás com minhas ações, mas quero ter a chance de não repetir tudo de novo, não quero mais ser a causa do sofrimento alheio!
Enquanto soluçava e enxugava suas lágrimas, um vento misterioso e repentino surgiu e envolveu Felina com folhas e barulhos indistinguíveis, cercando-a completamente. A gata não sabia o porquê, mas pôde compreender que não estava mais sozinha, que mais alguém a fazia companhia, pois a brisa rodopiante parecia estar querendo dizer algo, mas que era incompreensível para seus ouvidos. Enquanto tentava prestar atenção para compreender a mensagem que estava sendo passada, a ventania se tornava mais constante, mas ao mesmo tempo suave, abraçando-a de forma afetuosa e terna. Após muita concentração, Felina pôde ouvir o que o vento estaria dizendo, em forma de sussurros:
- Eu te perdoo.
Quando compreendeu a frase, a gata sentiu um grande peso se esvair de seu corpo. Aquela sensação de desconforto, incômodo, estranheza e culpa que sentiu durante anos desapareceu e agora sua mente estava livre, leve e solta, totalmente liberta de mágoas, medos e receios. Percebeu que finalmente estava pronta para iniciar uma nova fase na sua vida e que o passado não mais voltaria para assombrá-la como antes. A Felina da Horda estava indo embora e uma nova Felina surgiria. Apenas o futuro sabia como seria essa nova Felina, mas ela já tinha certeza que seria diferente.
VOCÊ ESTÁ LENDO
The Tale of the Cat Princess
FantasyApós a derrota da Horda o grupo de melhores amigos finalmente pôde experimentar novas aventuras pelo universo desconhecido. O que eles não sabiam é que existe em Etheria um segredo sobre o passado de Felina: sua ascendência real a torna a princesa d...