capítulo 7

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-Lar, doce lar - disse papai na primeira vez em que entramos na casa da sua nova mulher.

Ele abriu os braços, como quem diz: Não é muito simples, né? Se a nossa casa em Chicago tinha o pé-direito baixo, a estrutura resistente e era pequena, o que eu considerava, com carinho, uma casa guerreira, esta era a rainha do baile de debutante: alta, resplandecente e vencedora de tudo sem fazer esforço. Sofás brancos. Paredes brancas. Estantes brancas. Já é bastante ruim que a Rachel banque o meu colégio, agora estou aterrorizada com a possibilidade de
acrescentar à minha ficha a acusação de causadora de manchas.

Não, não é exatamente um lar, doce lar. Parece estranho reclamar por estar morando em algo que parece saído de uma revista de decoração de luxo, mas é que sinto falta da nossa casa, que papai vendeu aos Patel no primeiro dia em que a colocamos à venda. Agora a Aisha dorme no meu antigo quarto, de onde foram arrancados os meus cartazes de filmes antigos e a montagem com capas
de livros e fotos de Dinah e eu fazendo caras idiotas. Aqui ocupo um dos muitos quartos de hóspedes, todos decorados de modo a impedir que a pessoa fique por muito tempo. Agora durmo num sofá-cama de estilo antigo - o tipo de coisa adequada para uma pin-up dos anos 1950 mostrar a cinta-liga, e não tanto para, tipo, dormir. O banheiro da suíte parece caro demais para ser tocado, quanto mais para ser usado. E as paredes são decoradas com umas obras de arte abstrata que mais parecem pinturas de crianças. O meu único acréscimo ao quarto, além de Bessie, minha vaquinha de pelúcia de infância, é uma foto minúscula de minha mãe e eu, de quando eu tinha uns 8 ou 9 anos. Estou toda agarrada na coxa dela, como se fosse uma macaquinha, apesar de já ser velha demais para esse tipo de coisa. Ela está me olhando. Há amor e diversão nos olhos dela, adoração e medo nos meus. Ainda me lembro do momento em que a foto foi tirada. Eu estava com medo de uma babá nova, convencida por algum motivo de que, se a minha mãe saísse pela porta, nunca mais voltaria.

- Você não adora isso aqui? - perguntou o meu pai sobre a casa, depois de ter carregado a minha vida em duas bolsas de lona pela escadaria ampla até o "meu quarto".

Ele estava tão feliz e empolgado, como uma criança que faz algo bom e busca uma recompensa, que não consegui cortar o seu barato. Ele ficou
completamente desamparado quando a minha mãe adoeceu. Num dia ela era saudável, capitã da nossa vida, a organizadora de tudo, e de repente não era mais.

Diagnóstico: estágio quatro de câncer no ovário. Ficou fraca demais para conseguir sair do quarto, imagine para administrar as complexidades do dia a dia: refeições, sair de casa, manter o estoque de papel higiênico.

Enfraquecido e exausto, o meu pai perdeu peso e cabelo, como se ele, não
ela, que estivesse fazendo quimio e radiação. Como se ele fosse a imagem dela num espelho. Ou um gêmeo siamês. Um incapaz de funcionar sem o outro. Faz apenas dois anos (747 dias; eu conto), e eu notei que apenas recentemente ele começou a ganhar peso outra vez, a parecer mais sólido. De novo, finalmente, um homem, o pai, não o filho. Durante meses depois do acontecido, o meu pai ficou me fazendo perguntas que deixavam claro que ele não tinha ideia de como
a nossa vida cotidiana funcionava:

onde a gente guarda a pá de lixo? Qual é o nome do diretor da sua escola?
Com que frequência você vai ao médico?

Ele trabalhava em tempo integral, e quando não estava no serviço ficava
ocupado negociando com as seguradoras, lidando com as montanhas de contas de médicos que continuavam chegando, tão cruéis, a posteriori. Em vez de incomodá-lo, eu pegava emprestado o estourado cartão de crédito. Agendava entregas regulares de papel-toalha e papel higiênico, mantinha uma lista de
compras, comprava barrinhas de cereais e aveia instantânea por atacado. Como ainda não tinha carteira de motorista naquele primeiro ano, encomendava sutiãs pela internet. Absorventes internos também. Fazia à internet todas as perguntas que teria feito à minha mãe. Uma triste substituta virtual.

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