capítulo 12

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Antes de a minha mãe morrer, Dinah e eu costumávamos falar sobre a ideia do dia perfeito.
O que teria que acontecer – desde o momento de acordar até a hora de ir dormir – para tornar esse dia melhor do que todos os outros.
Não sonhávamos grande. Pelo menos eu não. O meu foco estava mais na ausência de coisas. Queria um dia em que eu não desse uma topada com o dedão, não derramasse nada na saia nem me sentisse tímida, sem graça ou feia. Não perderia o ônibus nem me esqueceria de levar a roupa para a aula de educação física. Quando olhasse no espelho depois do almoço, não haveria comida nos dentes nem nada no nariz.
Claro, não eram somente faltas. Eu dava um primeiro beijo, mas não poderiadizer em quem – algum cara sem nome, sem rosto, que na fantasia me fizesse sentir confortável, compreendida e também bonita.

Talvez eu me imaginasse
comendo as panquecas da minha mãe antes de ir para a escola, que sempre
vinham na forma das minhas iniciais, muito depois de eu ser velha demais para esse tipo de coisa, porque por acaso a gente nunca é velha demais para esse tipo de coisa. E a lasanha vegetariana dela no jantar. Eu adorava aquela lasanha vegetariana.
Nada maluco.

Além disso, talvez fosse dia de pizza no colégio. Eles faziam uma pizza
surpreendentemente boa.
Um dia perfeito não precisaria incluir uma viagem fantástica ao Caribe, pular de paraquedas ou abraçar as costas de alguém vestindo couro numa motocicleta, embora tudo isso, além de outras coisas, estivesse na lista da Dinah.

Sempre gostei de coisas simples.
Agora, do outro lado de tudo, não consigo imaginar o que seja um dia
perfeito. Agora, sem a minha mãe, o que poderia ao menos parecer assim?
Penso no antes, antes antes antes, e todos parecem dias perfeitos. Quem se importa com uma topada no dedão ou uma meleca no nariz? Eu tinha uma mãe, e não somente insira mãe genérica aqui, mas a minha mãe, que eu amava de um jeito que não era comum.
Quero dizer, sei em algum nível que todo mundo ama a mãe por causa do
negócio de ela ser sua mãe, mas eu não a amava só por isso. Eu a amava porqueela era legal, interessante, calorosa. Ela me ouvia e continuava a fazer panquecas na forma das minhas iniciais porque de algum modo, apesar de eu não saber, ela
sempre soube que eu nunca ficaria velha demais para esse tipo de coisa. Eu amava a minha mãe porque ela leu toda a série do Harry Potter em voz alta para mim; e, quando acabamos, ela quis reler.

Se há uma coisa que aprendi nos últimos dois anos é que a memória é
volúvel. Quando leio Harry Potter, não consigo mais escutar a voz da minha mãe, mas a visualizo ao meu lado, e quando não consigo nem isso, imagino o peso de alguém encostado em mim, um braço junto ao meu braço, e finjo que é suficiente.

Eu amava a minha mãe porque ela era minha.

E eu era dela.

E essa coisa de pertencer uma à outra nunca mais vai se repetir na minha
vida.

Os dias perfeitos são para pessoas com sonhos pequenos, possíveis de serem realizados. Ou talvez para todos nós eles só aconteçam em retrospecto: só são
perfeitos agora porque contêm alguma coisa irrevogável e irrecuperavelmente
perdida.

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