Capítulo 4

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Aqui não é tão ruim, digo a mim mesma agora que estou sentada num banco de costas para a Batgirl e para aquelas vacas, com o refeitório e o resto da minha turma seguros atrás dela. Então as pessoas daqui são maldosas. E daí? As pessoas são sacanas em todo lugar.

Eu me lembro do clima bom. Estava ensolarado, porque parece que está
sempre fazendo sol em Los Angeles. Notei que todos os alunos têm óculos
escuros de grife, e eu faria comentários sarcásticos com relação a pessoas que tentam parecer descoladas, mas de fato elas precisam disso. Passo os dias franzindo a testa, com uma das mãos protegendo os olhos, como um soldado batendo continência.

O meu maior problema é que sinto falta da minha melhor amiga, Dinah.
Ela é a minha leoa de chácara, que tem mais de 1,80 metro de altura. Ela teria a resposta perfeita para aquela garota, alguma coisa bem incisiva. Em vez disso só tenho a mim mesma: eu, o meu atrasado tempo de reação e as minhas retinas em chamas. Venho tentando me convencer de que posso ficar sozinha nos próximos dois anos. De que, se precisar de um ânimo, posso mandar uma mensagem para Dinah e vai parecer que ela está perto, e não quase do outro lado do país. Ela é rápida no gatilho. Eu só gostaria de me sentir um pouco menos idiota com relação ao funcionamento deste lugar.

Na verdade AN está certa: tenho um monte de perguntas práticas. Seria ótimo baixar um aplicativo do Wood Valley que me dissesse como usar os cartões de crédito para o almoço, me explicasse que diabo é o Dia da Doação do Wood Valley e por que devo usar sapatos fechados nesse dia. E talvez, mais importante, alertasse sobre com quem é proibido fazer contato visual. O que você está olhando?
Agora as louras que flertavam com a Batgirl passam pelo meu banco - acho que a tentativa de levar a menina para passear foi infrutífera - e dão risinhos.

- Ela é de verdade? - comenta alto a mais loura à amiga apenas ligeiramente menos loura, e depois se vira e olha para mim.
As duas são bonitas daquele jeito convencional, de tão sortudas que foram.
Cabelos dourados brilhantes, recém-escovados, olhos azuis, pele clara,
magricelas. Peitos estranhamente grandes. Saias curtas que, tenho quase certeza, violam o código de vestimenta da escola e quatro camadas de maquiagem
provavelmente aplicadas com a ajuda de um tutorial do YouTube.

Vou ser honesta: eu não me importaria em ser sortuda exatamente desse jeito, em ser
aquela adolescente rara que nunca olhou para qualquer resquício de espinha. O meu rosto, mesmo nos dias mais límpidos, tem o que minha avó sempre chamou, pouco carinhosamente, de caráter. Demora um segundo, talvez um terceiro
olhar, para alguém ver o meu potencial. Isto é, se eu tiver algum.

- Viu aquele laço no cabelo? - continuam as duas.

Ah, merda. Eu estava certa. Elas estão falando de mim. Eu não só vou passar os próximos dois anos sem um único amigo, como todos aqueles documentários de TV sobre bullying nas escolas vão finalmente fazer sentido. Alguém Ninguém pode ser uma pegadinha, mas ele/ela está certo/certa: este lugar é uma zona de guerra. Vou precisar de um vídeo de autoajuda tipo "Vai Melhorar".

Sinto o meu rosto queimar. Encosto o dedo na cabeça; um sinal de fraqueza, sim, mas também um reflexo. Não há nada de errado com o meu laço.
Li numa revista que eles voltaram à moda. Dinah também usa, às vezes, e ela ganhou o prêmio de Mais Bem-Vestida no ano passado. Luto contra as lágrimas que marejam os meus olhos. Não, essas meninas não vão me ver chorar. Risca isso. Elas não vão me fazer chorar. Que se danem.

- Chiiiu, ela pode ouvir - diz a outra, e depois me olha, como se pedisse
desculpas, só que toda alegrinha.

Estão curtindo a maior onda de vacas malignas. Então se afastam - desfilam,
na verdade, como se achassem que há uma plateia assistindo e assobiando. Olho para trás, só para garantir, mas sim, sou a única por aqui. Elas estão rebolando as bundas perfeitas por minha causa.

Pego o telefone. Mando uma mensagem para a Dinah. Para mim é hora do almoço, mas ela está saindo da escola. Estamos longe tanto no espaço quanto no tempo, e eu odeio isso.

Eu: Não me encaixo aqui. Todo mundo veste tamanho P. Ou PP.

Dinah: Ah, não, não me diga que precisamos ter o papo VC NÃO É
GORDA.

Nossa amizade se baseia no fato de que não somos do tipo de garota que precisa fazer isso uma pela outra.

Nunca fizemos o gênero "Odeio o meu dedo mindinho esquerdo! É tão...
curvo!".

Dinah está certa. Tenho coisas melhores a fazer do que me comparar
com os ideais inalcançáveis estabelecidos pelos diretores de arte de revistas que diminuem coxas com um mouse. Mas estaria mentindo se não admitisse ter notado que, aqui, sou do grupo das pessoas grandes. Como é possível? Será que eles colocam laxante na água?

Eu: E louras.

Todo mundo é.

Simplesmente.

Louro.

Tipo.

Califórnia.

Dinah : NÃO DEIXE TRANSFORMAREM VOCÊ NUMA DESSAS. Você me prometeu não entrar numa de Los Angeles.

Eu: Não se preocupe. Para entrar numa de Los Angeles eu precisaria falar com as pessoas.

Dinah: Que merda. Sério? É tão ruim assim?

Eu: Pior.

Rapidamente tiro uma selfie sozinha num banco com o meu sanduíche de creme de amendoim e geleia comido pela metade. Mas sorrio em vez de fazer biquinho, e como legenda coloco a hashtag #Dia14.
Aquelas louras fariam biquinho, transformariam a foto em algo do tipo Sou tão sensual! e depois a
postariam no Instagram. Vejam como fico gata quando não como meu sanduíche!

Dinah: Jogue o laço fora kkkkk.

E você fica meio cafona com essa blusa.

Solto o cabelo. É por isso que preciso de Dinah aqui. Talvez ela seja o
motivo por eu nunca ter sido sacaneada antes. Se não tivéssemos nos conhecido aos 4 anos, eu provavelmente seria mais otária ainda.

Eu: Obrigada.

Laço oficialmente perdido.

Considere-o queimado.

Dinah: Quem é a gata que aparece na foto?

Eu: O quê?

Franzo a testa para o telefone. A Batgirl estava olhando pela janela na hora exata em que tirei a foto. Não exatamente posando, mas foi capturado para a posteridade. Então, por acaso, Loura e Louríssima tinham plateia, afinal de contas. Claro que tinham. Garotas assim sempre têm plateia.

O meu rosto fica vermelho de novo. Não só sou uma fracassada gorda que
lancha sozinha com um laço duvidoso no cabelo, como sou idiota a ponto de ser flagrada tirando uma selfie nesse momento maravilhoso da vida. E por nada menos que uma garota bonita e popular.

Deleto a foto. Desejo que fosse igualmente fácil apagar todo o resto.

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