capitulo 24

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Cabeça baixa. Dez metros até chegar ao meu carro. Camila, você consegue. Seis metros. As minhas mãos estão tremendo, mas mantenho-as nos bolsos para que ninguém veja. Continuo andando. Ninguém está olhando, digo a mim mesma.
Ninguém pode ver você. Cinco metros. Quase lá. Vou entrar no carro, colocar a chave na ignição, dirigir sem parar até a luz indicando pouca gasolina se acender.
Vou para o leste, encontrar qualquer estrada principal que me leve a Chicago.
Surgirei na casa da Dinah a tempo de a mãe dela me servir kimchi caseiro.
- Ei. Você está bem?
Vejo os tênis antes de ver o rosto e a alça do violão atravessando o peito, mas isso é porque não quero erguer o olhar. Liam é a última pessoa que desejo ver neste momento, ou melhor, talvez a última seja a sua namorada horrível, mas pelo menos se eu visse a Gem arranjaria um modo de tirar sangue dela, arranhá-
la, quebrar aquele nariz refeito cirurgicamente a um custo de seis dígitos e rachar o seu rosto de porcelana.
- Por favor. Só. Me. Deixe. Em paz.
As lágrimas são meio como xixi. A gente só consegue segurar por um tempo.
O meu carro está a três metros. Três metros curtos, e então posso dirigir e chorar sem que ninguém saiba. Estou ansiosa para atravessar a fronteira dos estados.
Visualizo mentalmente a placa: VOCÊ ESTÁ SAINDO DA CALIFÓRNIA.
- Epa, espera aí. O que está acontecendo? - pergunta Liam, e segura o meu ombro para me impedir de ir embora. Encolho os ombros, mas ele segura com
força.
- Precisa que eu ligue para alguém ou coisa assim?
- Não. Sabe do que eu preciso? Que você e a sua namorada me deixem em
paz, inferno!
Estou furiosa, talvez não com o Liam, se bem que isso não parece relevante
no momento. Os ataques da Gem e da Crystal eram mais sutis e idiotas: contra as minhas roupas ou os adesivos no laptop. Tanto faz. Agora, depois de eu ter falado por dois minutos com o Liam numa festa, o bullying ficou totalmente diferente.
Desculpe, mas esse papinho realmente não é nem um pouco empolgante. E de uma vez por todas não vale a pena.
Por um segundo faço o jogo que às vezes me acalma: O que eu faria agora se estivesse em Chicago e não tivéssemos nos mudado? Estaria numa reunião dojornal, ou talvez num encontro sobre o livro do ano, recortando fotos e escolhendo fontes. Não estaria feliz, não. Mas não estaria me sentindo assim.
- Do que você está falando? - Liam parece confuso.
Eu me pergunto se ele não é meio tapado. Segundo a Ally ele e a Gem estão
namorando há seis meses, ou cinco meses e 29 dias a mais do que ele deveria ter
precisado para perceber que a namorada é uma vaca.
Liam tira o Earl do ombro, apoia-o no chão perto de um carro Tesla. Sério,
algum aluno do Wood Valley dirige a porra de um Tesla. Quem são essas
pessoas, cacete?
- Esquece. Por favor, só me deixe em paz. Está falando comigo? Isso é o
oposto de ajudar - digo.
- Não estou entendendo.
- Quer saber por que estou chateada? Pergunte à Gem - peço, e finalmente,
finalmente termino de dar os últimos passos até o meu carro.
- Espera! - diz ele. - Você vai... tipo... trabalhar hoje à tarde?
Claro que não vou de carro nem de avião para Chicago hoje. Não haverá
placas, literais ou não. Fugir é mera fantasia. Primeiro preciso economizar, já que mal tenho dinheiro para encher o tanque de gasolina.
O meu corpo desinfla - não haverá fuga, nem há como me esconder.
Isto, bem aqui, é a minha vida.
Isto.
- É, vou.
Entro no carro, saio da vaga de ré tão rápido que me pergunto se deixei
marcas de pneus.
Espero até que a escola esteja pequena, no retrovisor, antes de começar a chorar.

AN: assisti a Footloose ontem. as duas versões. em sua homenagem.

Eu: E?

AN: não fazem sentido. não é possível que exista uma lei local que proíbe a
dança. seria uma restrição à liberdade de expressão constitucional, para não
mencionar toda aquela coisa da separação entre estado e igreja.

Eu: Gemido.

AN: e ainda que a gente desconsidere a descrença nesse ENORME furo do
roteiro... bem...

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